terça-feira, 7 de outubro de 2025

Também Conhecido Como Charlie Sheen

 


Parte 1

Tão cheio de histórias para contar (muitas inéditas até para fãs ferrenhos), este documentário da Netflix sobre a vida loca do astro Charlie Sheen resultou tão extenso que precisou ser dividido em duas partes. A verdade é que a trajetória de Charlie Sheen –nascido Carlos Irwin Estevez, filho do astro Martin Sheen –se confunde com parte da história do showbizz norte-americano, no cinema e na TV. Aqui, o próprio Charlie Sheen se expõe diante das câmeras e assume muitos de seus imensuráseis lapsos, não se furtando de comentar muitos momentos escabrosos que ele mesmo protagonizou ao longo de seus 60 anos.

O filme já começa surpreendente, revelando que Charlie Sheen (assim como seus irmãos, entre eles o também ator Emilio Estevez) foi amigo de infância de Sean Penn (que comparece prestando seu depoimento) de quem eram vizinhos! Desde muito jovem, o pequeno Charlie conviveu com os bastidores de Hollywood na companhia do pai –suas lembranças do caótico set de filmagens de “Apocalypse Now” são uma passagem marcante –assim, não chegou a ser surpresa quando, já a adentrar os anos 1980, ele e Emilio tiveram interesse em ingressar na carreira cinematográfica. Com o nome Charlie Sheen (em correspondência ao nome artístico do pai, algo que Emilio optou por não adotar), ele conseguiu seu primeiro papel num filme de terror B, “The Grizzly 2”, que foi também a estréia de George Clooney e Laura Dern (!), lamentando o fato de que, com isso, deixou escapar a chance de estrelar “Karatê Kid” (!!). No entanto, ele conseguiu se sobressair no papel seguinte, chamando a atenção numa ponta de apenas três minutos no filme “Curtindo A Vida Adoidado”.

O estrelato até que veio de forma rápida e inesperada: Ele aceitou o papel principal no drama da Guerra do Vietnam “Platoon” –até uma maneira de homenagear o próprio pai –e, no ano seguinte, enquanto filmava “Wall Street-Poder e Cobiça” com o mesmo diretor Oliver Stone viu a produção ganhar o Oscar de Melhor Filme. A badalação logo trouxe seu ônus, potencializado pela amizade dele com Nicolas Cage, outro notório bad boy do período: São inúmeras as histórias de farras, bebedeiras e excessos protagonizadas pelos dois.

Ao fim da década de 1980, começo da de 90, Charlie já demonstrava sinais preocupantes de descontrole, o que levou sua família a tentar uma intervenção e a colocá-lo, pela primeira vez, numa clínica de reabilitação. Ai sair de lá, ele logo engatou o sucesso “Top Gang-Ases Muito Loucos”, uma paródia de “Top Gun-Ases Indomáveis” –logo depois dele, Sheen estrelou a continuação (talvez, até mais famosa do que o primeiro filme!) “Top Gang 2-A Missão”, paródia, por sua vez, de “Rambo 2”. Duas coisas ficaram bem claras: A primeira, que o público conseguia perfeitamente vê-lo como um comediante; e a segunda, que mesmo visitando o fundo do poço, uma recuperação era possível.

Ainda na década de 1990, Sheen participou do filme “Tudo Por Dinheiro” (que fez mais sucesso nos EUA do que aqui no Brasil) do qual a maior e melhor consequência foi a amizade com o co-star Chris Tucker, entretanto, naquela época, um dos escândalos de maior repercussão envolvendo o nome de Charlie Sheen foi mesmo o julgamento de Heidi Fleiss, conhecida como “A Cafetina de Hollywood” por agenciar garotas de programa para vários famosos de Los Angeles –levada à julgamento por sonegação de impostos, Heidi teve sua lista de clientes revelada ao público, e quem era o cliente número 1 da lista? O próprio Charlie Sheen, cujos cheques foram encontrados em propriedade de Heidi!

Após esses e outros tantos percalços inacreditáveis, os últimos anos da década de 1990 encontraram Charlie Sheen disposto  a reconquistar a sobriedade e abandonar seus vícios. A Parte 1 se encerra, nesse ponto, contudo, todos sabem que há muito mais história para ser contada na Parte 2 –e provavelmente, ficou reservado para lá os trechos mais hardcore da vida tumultuada desse inacreditável Charlie Sheen.

Parte 2

Na segunda parte de sua trajetória pra lá de problemática e tumultuada, Charlie Sheen revela que chegou em meados de 1998 disposto a sossegar –ele pensava que a pior fase de seu vício em drogas e de suas bebedeiras havia passado e, agora que estava limpo e fora da reabilitação, seu objetivo era obter alguma estabilidade profissional. O cinema era então um mercado extremamente disputado (e, devido à sua notoriedade, os papéis rentáveis de protagonista não chegavam mais, apenas propostas para papéis coadjuvantes) e ele achou que a TV oferecia oportunidades mais consistentes para ele ganhar a vida. Foi assim que, no ano 2000, ele foi contratado para uma sitcom chamada “Spin City”, estando ela em sua quarta temporada (!). Acontece que o astro original de “Spin City”, Michael J. Fox, havia sido diagnosticado com Mal de Parkinson e, diante de sua saída da série, os produtores pensaram na arriscada possibilidade de contratar outro ator para, com outro personagem, tentar substituir o protagonista anterior –contra muitos prognóstipos, Charlie Sheen conseguiu dar uma sobrevida à série, levando à ainda mais duas temporadas, o que resultou em sua vitória como Melhor Ator em Série de Comédia e Musical no Globo de Ouro 2002, o primeiro e único prêmio de atuação que, até hoje, Charlie Sheen afirma ter conquistado!

Contudo, não há como falar de Charlie Sheen e não falar da série “Two And A Half Men” –a Warner Bros. animada com o sucesso de “Spin City”, encomendou uma série ao produtor Chuck Lorre, onde um dos personagens principais, segundo ele, “tinha um Q de Charlie Sheen!”.

Os produtores conseguiram o próprio Charlie Sheen para dar vida ao personagem Charlie Harper, dando o estopim inicial a um dos maiores sucessos da TV norte-americana. Na época, Charlie estava casado com a atriz Denise Richards (de “Tropas Estelares” e “Garotas Selvagens”) que havia conhecido no set de “Spin City” e que esteve presente na primeira temporada de “Two And A Half Men”. Ao longo daqueles anos –como é relatado pelo próprio Charlie e também por seu colega de elenco, Jon Cryer –Charlie tentou compensar a falta que começava a sentir do êxtase provocado pelas drogas e pelo álcool tomando remédios; ele simulava sintomas de doenças específicas em consultas médicas para que lhe fossem receitados remédios específicos que ele começou a consumir. O resultado desse novo vício foram alterações súbitas de humor e surtos de agressividade que culminaram no fim de seu casamento.

Não tardou para que o inquieto Charlie arrumasse uma outra esposa, desta vez a socialite Brooke Mueller, instável e viciada, cujo comportamento logo leva Charlie à retornar para o consumo de drogas. Mais tumultos e escândalos se seguem, resultando em mais um divórcio. Curiosamente, a audiência de “Two And A Half Men” só faz crescer, e com ela o cacife de Charlie Sheen junto à Warner Bros. o que o leva, em sucessivas negociações para novas temporadas, a se tornar o ator mais bem pago da história da TV norte-americana!

Tanto dinheiro leva à ainda mais excessos, e Charlie acaba contratando um traficante de drogas particular (!!), que depois tornar-se seu grande amigo, e comparece até mesmo neste documentário (!!!), prestando um descontraído depoimento (!!!!).

No auge do seu vício e acarretando muitos transtornos para a produção da série, Charlie é retirado pelos produtores de “Two And A Half Men”, nessa época ele também se casa com a atriz pornô Brett Rossi (!!!) e, após divorciar-se dela, é diagnosticado HIV positivo.

O documentário mostra suas sucessivas apresentações nos EUA –algo como apresentações de stand-up sem ser stand-up... –nas quais Charlie insistia numa richa descabida com a Warner e os produtores que o demitiram. De qualquer forma, essas apresentações serviram para consolidar Charlie Sheen como uma espécie de ícone da atualidade, arrebanhando milhões de seguidores em redes sociais, e transformando-o numa celebridade cult, com direito a memes e citações na internet; inclusive de algumas entrevistas prestadas na época, das quais hoje Charlie admite sentir tremenda vergonha.

Essa via-crusis auto-destrutiva só não o engoliu por completo porque seu traficante pessoal (lembram dele?!), por ter se tornado seu grande amigo, resolveu um dia reduzir gradativamente o conteúdo de cocaína nas drogas que Charlie consumia (isso porque o próprio Charlie afirmou que, no que dependesse dele, ele não iria parar!). Assim, em cerca de um ano, o consumo já não o estava afetando, e ele se encontrou em condições de parar definitivamente.

Desconcertante pela forma extraordinariamente despoja com que seu personagem principal se presta à expor, comentar, admitir e a fornecer seu ponto de vista da maior parte das passagens que compuseram sua atribulada trajetória (só é omitida sua tentativa, não muito eficaz, de emplacar com a série “Tratamento de Choque”), e em breves instantes, tocante na evidência de um certo arrependimento com que Charlie admite ter desperdiçado muitos momentos importantes em família por causa de seus vícios, este documentário salienta a persona singular de um ator carismático, talentoso e incorrigível que conseguiu se tornar um personagem muito mais antológico e peculiar do que qualquer outro que interpretou. A contar até a gravação deste documentário, Charlie Sheen está limpo há oito anos.

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