Por muito tempo, houveram teorias na internet que defendiam o argumento de que Daniel Larusso (Ralph Macchio) não era o herói de “Karatê Kid” –e tais argumentos levaram à criação da ótima série “Cobra Kai” –e nisso, tinham lá certa razão: O jovem franzino e potencialmente indefeso Daniel não é um herói.
E desse gesto até certo ponto inesperado vem o
fascínio perene (e para alguns incompreensível) do filme que ele protagoniza:
Esse personagem principal não está lá para ser admirado (como toca a um herói),
mas para gerar a plena identificação dos jovens adolescentes dos anos 1980 que,
como o próprio Daniel, enfrentavam bullying quando isso ainda era visto com
alguma normalidade por todos, que sentia-se deslocado na nova cidade de Los
Angeles para onde se mudou após deixar Nova Jersey, mas tinha que encontrar
dentro de si uma força que não tinha certeza se estava lá.
O grande herói em “Karatê Kid”, se existe necessidade
em encontrar algum, eu diria que é o Sr. Miyagi, vivido com precisão instintiva
por Pat Morita –papel pelo qual ele foi indicado ao Oscar de Melhor Ator
Coadjuvante.
É o Sr. Miyagi quem acolhe Daniel e lhe dá os
primeiros indícios de que existe, sim, como prevalecer sobre os valentões
aparentemente invencíveis que o afrontam: Aprendendo artes marciais, a mesma
técnica com a qual Daniel já é recebido com algumas surras.
Entretanto, o processo de aprendizagem de
Daniel trilha caminhos existencialmente inesperados: De início, ele sente-se
como mero empregado do Sr. Miyagi, obrigado a encerrar seu carro e pintar sua
cerca sem parar (para descobrir depois que é uma forma de fazer seu corpo
assimilar os movimentos circulares de defesa); com o tempo, a filosofia
embutida no karatê deixa claro para Daniel que Miyagi não o ensinará à bater em
ninguém, mas sim a abraçar o pacifismo, a paz interior, o respeito e o
auto-respeito com o qual saberá lidar com os ebulientes problemas da
adolescência.
Há também uma bem caracterizada evolução nos desdobramentos
que envolvem a amizade entre Daniel e Miyagi: Os atritos entre o aluno nada
cordial e o professor ora sereno, ora arisco; até mesmo traços de imprevista
vaidade do mestre (quando Miyagi tenta pegar uma mosca no ar usando hashi e não esconde sua impaciência
quando é Daniel quem o faz).
Tudo isso, conduz à luta final, um torneio onde
Daniel terá de mostrar não qualquer superioridade física perante seus
oponentes, mas o valor de sua tenacidade, de sua persistência e fibra moral.
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