quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Karatê Kid - A Hora da Verdade


 Por muito tempo, houveram teorias na internet que defendiam o argumento de que Daniel Larusso (Ralph Macchio) não era o herói de “Karatê Kid” –e tais argumentos levaram à criação da ótima série “Cobra Kai” –e nisso, tinham lá certa razão: O jovem franzino e potencialmente indefeso Daniel não é um herói.

E desse gesto até certo ponto inesperado vem o fascínio perene (e para alguns incompreensível) do filme que ele protagoniza: Esse personagem principal não está lá para ser admirado (como toca a um herói), mas para gerar a plena identificação dos jovens adolescentes dos anos 1980 que, como o próprio Daniel, enfrentavam bullying quando isso ainda era visto com alguma normalidade por todos, que sentia-se deslocado na nova cidade de Los Angeles para onde se mudou após deixar Nova Jersey, mas tinha que encontrar dentro de si uma força que não tinha certeza se estava lá.

O grande herói em “Karatê Kid”, se existe necessidade em encontrar algum, eu diria que é o Sr. Miyagi, vivido com precisão instintiva por Pat Morita –papel pelo qual ele foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

É o Sr. Miyagi quem acolhe Daniel e lhe dá os primeiros indícios de que existe, sim, como prevalecer sobre os valentões aparentemente invencíveis que o afrontam: Aprendendo artes marciais, a mesma técnica com a qual Daniel já é recebido com algumas surras.

Entretanto, o processo de aprendizagem de Daniel trilha caminhos existencialmente inesperados: De início, ele sente-se como mero empregado do Sr. Miyagi, obrigado a encerrar seu carro e pintar sua cerca sem parar (para descobrir depois que é uma forma de fazer seu corpo assimilar os movimentos circulares de defesa); com o tempo, a filosofia embutida no karatê deixa claro para Daniel que Miyagi não o ensinará à bater em ninguém, mas sim a abraçar o pacifismo, a paz interior, o respeito e o auto-respeito com o qual saberá lidar com os ebulientes problemas da adolescência.

Há também uma bem caracterizada evolução nos desdobramentos que envolvem a amizade entre Daniel e Miyagi: Os atritos entre o aluno nada cordial e o professor ora sereno, ora arisco; até mesmo traços de imprevista vaidade do mestre (quando Miyagi tenta pegar uma mosca no ar usando hashi e não esconde sua impaciência quando é Daniel quem o faz).

Tudo isso, conduz à luta final, um torneio onde Daniel terá de mostrar não qualquer superioridade física perante seus oponentes, mas o valor de sua tenacidade, de sua persistência e fibra moral.

Dirigido por John G. Avildsen, “Karatê Kid” dialoga com “Rocky-Um Lutador”, lançado oito anos antes e pelo qual Avildsen levara o Oscar de Melhor Diretor: Ambos escondem, na fachada de um tema sobre embates físicos, a real predisposição para entender seus personagens num nível de intimismo que, nos dois casos, pegou de surpresa a plateia. Se “Rocky”, por um lado, era um projeto que também reunia muito das posturas de Sylvester Stallone (políticas e alegóricas, inclusive), por outro lado, “Karatê Kid” reflete bem mais Avildsen como realizador: Ele não se restringe a um olhar de análise sobre a sociedade americana, mas a uma observação muito mais universal acerca do caráter, da firmeza ante os contratempos da vida e da bela mensagem embutida nas artes marciais.

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