Falar sobre "Que Horas Ela Volta?" me
deixou com uma vontade de discorrer mais acerca do nosso cinema nacional, que
acredito, não teve muito espaço por aqui ainda.
Vou aproveitar, então, para falar sobre um
filme completamente diferente da emotiva e elogiada obra com Regina Casé.
Datado de 1987, "A Dama do Cine
Shangai" é um trabalho não só absurdamente diferente, com também nasceu
num contexto completamente diferente (e é interessante perceber o quanto a
época e o local de gestação do projeto influi no filme e na nossa percepção
dele, sobretudo no que diz respeito ao nosso cinema): Eram anos 1980, as
bilheterias ainda eram ocasionalmente tomadas pelas pornochanchadas e pelos
filmes da Boca do Lixo (e para o bem e para o mal, isso definiria os paradigmas
comerciais do cinema nacional -um fantasma que demoraria muito para parar de
assombrá-lo), haviam os filmes dos Trapalhões (também sucessos de bilheteria),
e as produções oriundas da extinta Embrafilme, que possuíam forte aspecto
autoral, revelando-se difíceis para o público.
Esse cenário criava um abismo gigantesco e
contrastante entre as facetas do nosso cinema naquele período: Ou o público
tinha filmes de apelo demasiado erótico, ou demasiado infantil. Ou
contentava-se com trabalhos popularescos, ou com obras pouco palatáveis.
Haviam exceções; filmes que buscavam uma
abordagem mais acessível ao público, trabalhando gêneros de cinema com
qualidade, mas era isso que eles eram: Exceções.
No ano de 1987, "A Dama do Cine
Shangai" era uma dessas. Ex-boxeador e corretor de imóveis, Lucas (Antonio
Fagundes) é um protagonista carregado daquele niilismo que os personagens de
Humphrey Boggart expressavam tão bem; e aí já tem-se a dica de qual caminho
este filme de Guilherme de Almeida Prado quer seguir (caso o expectador já não
tenha captado a dica óbvia e explícita de seu título, remetendo diretamente à
"Dama de Shangai" de Orson Welles): o film noir.
Ao entrar num cinema, menos para ver o filme em
cartaz, e mais para usufruir do ar condicionado em meio àquela noite de
escaldante calor paulistano, Lucas conhece, em meio à plateia, uma linda mulher
(Maitê Proença, hipnótica de tão linda) cuja imensa semelhança com a atriz do
filme aparentemente lhe passa despercebido. Mas não sua beleza: Ele não tarda a
tentar cortejá-la, e isso o leva, nos dias seguintes a uma série de encontros,
desencontros e quipróquos, através do quais, entre outras coisas, ele será
acusado de um crime que não cometeu, enquanto planeja livrar-se de todos esses
revezes para ter um relacionamento satisfatório com ela.
O senso referencial do filme é interessante,
levando-se em conta o pouco (ou nada) que o cinema nacional realizou nesse
sentido, ainda que nem se compare aos trabalhos brilhantes (muitos deles do
mesmo período) realizados por Brian De Palma. E a ambientação, sobretudo nas cenas
noturnas, banhadas por uma luz oblíqua de neon, é envolvente, interessante.
Como femme fatalle, Maitê Proença é
provavelmente a escolha perfeita (somente uma Vera Fischer, num dia inspirado
seria capaz de rivalizar com ela em beleza, provocação e magnetismo), uma pena
que sua cena de nudez seja breve demais. Já, Antonio Fagundes é de uma
excelência à toda prova, sólido como o protagonista típico de uma trama onde
nada será o que parece ser.
Infelizmente, o roteiro e a direção de Almeida
Prado não correspondem à competência do seu par central, deixando muito a
desejar, tecendo diálogos que vão do reverente ao ridículo, e criando tramas
paralelas que confundem toda e qualquer elucidação, sem nunca levar a um
desfecho que as encerre satisfatoriamente.
Como eu disse lá em cima, tudo é uma questão de
contexto e, para um público, cuja média de filmes nacionais à disposição
incluía trabalhos eróticos com relapsa noção de cinema, os tropeços de
Guilherme de Almeida Prado, protagonizados pelo competente Fagundes e por uma
estonteante Maitê Proença estavam bom demais. Vai ver, isso explica o prêmio de
Melhor Filme no Festival de Gramado daquele ano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário