domingo, 1 de novembro de 2015

A Moça Com A Valise

Aquela agressividade que hoje se vê em voga nas telas passa longe do cinema do diretor Valério Zurlini. Talvez, por ser um pouco mais marginal que seus outros conterrâneos italianos (leia-se Fellini, De Sica, Visconti...), talvez, por ser um burguês a olhar o cidadão médio com olhos condescendentes, ou seria um olhar de classe média sobre a burguesia? 
Enfim, seja o que for, a sutileza com que sua narrativa se estabelece é notável, brilhante na forma com que se entranha no registro meticuloso de pequenos atos banais, mas que terminam por formar um todo de absoluta identificação e emoção entre o expectador. Esplêndido. 
Num quase eco da novelle vague francesa, este seu “La Ragazza Con La Valigia” inicia-se com o casual encontro de um adolescente e uma jovem mulher, até então sua completa desconhecida. São personagens inicialmente anônimos e ordinários, capturados em sua jornada quase que aleatoriamente. Logo, uma situação se forma. Que leva a outra, e a mais outra. Eis que vemos se desenhar toda uma narrativa, a partir de um interesse quase inesperado por essa moça desamparada, cuja origem ainda não se sabe (mas iremos descobrir), cujos percalços não sabemos (mas, também, iremos descobrir), e o mais essencialmente importante, que ostenta uma inocência de tal fascínio e tal magnetismo, que mora lá dentro da consciência uma suspeita, um tanto quanto masculina, de que talvez ela não seja tão inocente assim. É num ritmo intrigante que a narrativa caminha para revelar uma possível resposta, ou criar uma conclusão que se faça satisfatória, e dê a ela e aos outros personagens um devido cerne. É perfeito que este personagem esteja, portanto, nas mãos de Claudia Cardinale. A estrela italiana que reafirma em quase todos os seus filmes a musa indiscutível que é. 
Apesar dos personagens masculinos, em especial o de Jacques Perin, serem os olhos da platéia, e com freqüência os olhos embasbacados deles próprios, é sem dúvida em torno de Claudia Cardinale que a narrativa respira. Valério Zurlini usa também magistralmente a música em seu cinema. Sem o expediente da trilha sonora original, ele compõe cenas  que se desenrolam, ou se principiam, ou meramente se finalizam, por meio da marcação de uma música. E vê-las transcorrer na tela é assistir ao trabalho de um mestre. Tudo no final remete a sentimentos muito verdadeiros, muito reais. 
Quem, afinal, nunca deixou-se cegar pelo amor por uma mulher inacessível? Ao fim, Zurlini põe seus personagens de volta ao trilho natural de suas vidas revelando ao expectador que muitas das dúvidas a respeito deles, sobretudo do personagem de Claudia, eram afinal de contas, indagações menores diante de tudo o mais... e tudo o mais está aberto a interpretações. Os últimos planos de câmera de filme são uma forma de dar um arremate a essas trajetórias de pessoas que o filme nos ensinou a gostar.

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