Aquela agressividade que hoje se vê em voga nas
telas passa longe do cinema do diretor Valério Zurlini. Talvez, por ser um
pouco mais marginal que seus outros conterrâneos italianos (leia-se Fellini, De
Sica, Visconti...), talvez, por ser um burguês a olhar o cidadão médio com
olhos condescendentes, ou seria um olhar de classe média sobre a
burguesia?
Enfim, seja o que for, a sutileza com que sua
narrativa se estabelece é notável, brilhante na forma com que se entranha no
registro meticuloso de pequenos atos banais, mas que terminam por formar um
todo de absoluta identificação e emoção entre o expectador. Esplêndido.
Num quase eco da novelle vague francesa, este
seu “La Ragazza Con La Valigia” inicia-se com o casual encontro de um
adolescente e uma jovem mulher, até então sua completa desconhecida. São
personagens inicialmente anônimos e ordinários, capturados em sua jornada quase
que aleatoriamente. Logo, uma situação se forma. Que leva a outra, e a mais
outra. Eis que vemos se desenhar toda uma narrativa, a partir de um interesse
quase inesperado por essa moça desamparada, cuja origem ainda não se sabe (mas
iremos descobrir), cujos percalços não sabemos (mas, também, iremos descobrir),
e o mais essencialmente importante, que ostenta uma inocência de tal fascínio e
tal magnetismo, que mora lá dentro da consciência uma suspeita, um tanto quanto
masculina, de que talvez ela não seja tão inocente assim. É num ritmo
intrigante que a narrativa caminha para revelar uma possível resposta, ou criar
uma conclusão que se faça satisfatória, e dê a ela e aos outros personagens um
devido cerne. É perfeito que este personagem esteja, portanto, nas mãos de
Claudia Cardinale. A estrela italiana que reafirma em quase todos os seus
filmes a musa indiscutível que é.
Apesar dos personagens masculinos, em especial
o de Jacques Perin, serem os olhos da platéia, e com freqüência os olhos
embasbacados deles próprios, é sem dúvida em torno de Claudia Cardinale que a
narrativa respira. Valério Zurlini usa também magistralmente a música em seu
cinema. Sem o expediente da trilha sonora original, ele compõe cenas que
se desenrolam, ou se principiam, ou meramente se finalizam, por meio da
marcação de uma música. E vê-las transcorrer na tela é assistir ao trabalho de
um mestre. Tudo no final remete a sentimentos muito verdadeiros, muito
reais.
Quem, afinal, nunca
deixou-se cegar pelo amor por uma mulher inacessível? Ao fim, Zurlini põe seus
personagens de volta ao trilho natural de suas vidas revelando ao expectador
que muitas das dúvidas a respeito deles, sobretudo do personagem de Claudia,
eram afinal de contas, indagações menores diante de tudo o mais... e tudo o
mais está aberto a interpretações. Os últimos planos de câmera de filme são uma
forma de dar um arremate a essas trajetórias de pessoas que o filme nos ensinou
a gostar.
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