A história estranha, incomum, curiosa, e no
fim, trágica, de Timothy Treadwell, norte-americano desiludido com o dito
‘american way of life’, desempregado, frustrado em diversos níveis, social,
financeiro, profissional, romântico e familiar, que dedicou treze anos de sua
vida para emergir na vida selvagem em contato com os ursos pardos que habitam a
região do Alasca, e no processo, tentou uma espécie de rompimento estóico com a
civilização, mas terminou sendo brutalmente morto, junto de sua namorada, por
um urso descomunal.
O diretor Werner Herzog, e sua narrativa em off
a um só tempo minimalista, paternal e impiedosamente circunspecta, seguem a
trajetória de Treadwell a partir de suas próprias filmagens, realizadas ao
longo de muitos anos, em meio aos animais selvagens, dos quais ele insistia em
se aproximar e se expor perigosamente, num misto de comunhão com a natureza e
patetice ingênua.
Treadwell também gravou depoimentos, como uma
forma de confessar-se para a câmera, nos quais Herzog tem a oportunidade de (ao
menos tentar) desvendar as muitas e contraditórias camadas de sua
personalidade.
Veterano diretor de filmes
de ficção, e um particular estudioso de personagens com indefinível propensão
para o desequilíbrio, Herzog enxerga paralelos entre Treadwell e outros
personagens dos filmes que realizou como o grandioso "Fitzcarraldo" e
o desgastante "Aguirre-Cólera dos Deuses", ambos interpretados com
criteriosa insanidade por Klaus Kinski. Todos eles, assim como o próprio
Timothy Treadwell, não tardam a revelar as facetas que tanto parecem fascinar
Herzog: Aquela loucura latente, e que de início tentam acobertar, disfarçada de
mero inconformismo, mas que será o estopim, no caso de Treadwell, para sua
inevitável e incontornável jornada para longe de tudo que conhecia, e
consequentemente, de tudo que O conhecia, buscando talvez uma forma de refazer
sua existência num momento e num lugar onde pudesse se sentir necessário,
importante, ainda que no desfecho disso tudo, um fim amargo, trágico até, lhe
aguarde. Herzog, portanto, nos convida –neste fascinante documentário –a
acompanhar essa jornada, não ao lado de Treadwell, mas ao lado dele mesmo,
Werner Herzog, e deixar-se hipnotizar por seu protagonista, sua doutrina
distorcida moldada por uma insatisfação profunda e sua sina inevitável, ao
encerramento da qual, junto com seu fim terrível (cujos aspectos mais macabros,
Herzog tem o admirável pudor em contornar), somos levados a lamentar
profundamente.
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