sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Meu Ódio Será A Sua Herança

Sam Peckinpah foi um daqueles grandes e incompreendidos cineastas que atreveram-se a usar a luz projetada na tela de cinema para trabalhar angústias e inquietações inerentes a sua própria natureza. Profundamente ligado à um modo de vida mais rústico e rural, ele identificava-se particularmente com as tramas de honra e sacrifício saídas do gênero faroeste. 
Lá, ele concebeu alguns trabalhos de primeira grandeza. Este é, por muitos, tido como o seu melhor. 
Após um violento tiroteio em plena praça pública, um bando de foras-da-lei já vislumbrando uma aposentadoria da vida de tiros e morte, toma o rumo para o México, um tanto divididos por discórdia e desentendimentos. No seu encalço está um veterano xerife, com contas a acertar, inclusive, com o líder do grupo, por quem nutre conflitantes sentimentos de adversidade e camaradagem. 
Este foi o último faroeste do diretor Sam Peckinpah, e para tanto, ele tingiu seus personagens com tintas ambíguas apagando as linhas divisórias entre mocinhos e bandidos, obtendo assim o único tom que julgava adequado ao narrar uma crepuscular história sobre caminhos que chegam ao seu fim. 
No processo, ele encheu esta espécie de requiem com cenas pródigas de violência e sanguinolência, como forma de contrastar o romantismo dos faroestes do passado com a visceralidade realista que só chegando perto do fim, os homens são capazes de entender. A preencher a tela, durante esse ínterim, temos suas magníficas cenas em câmera lenta, onde Peckinpah dissecava os momentos de violência com sua apurada dispersão de tempo, obrigando o expectador a olhar a perversidade dos pequenos detalhes de momentos terríveis que compunham o gênero tão apreciado e idolatrado. 
Uma violência que regurgitava a própria violência. 
Poucos foram os visionários que lograram obter uma forma de arte assim, tão pura no entendimento de seu propósito, tão precisa na incisão cirúrgica de sua discussão: Spielberg em seu “O Resgate do Soldado Ryan”, certamente Stanley Kubrick em seus “Glória Feita de Sangue”, “Laranja Mecânica” e “Nascida Para Matar”, Martin Scorsese, sem sombra de dúvida, com seu “Taxi Driver”, Oliver Stone nos seus bons momentos (leia-se, em “Platoon”, “Salvador-O Martírio de Um Povo” e “Nascido Em 4 de Julho”), e certamente o mestre maior, Akira Kurosawa, com “Ran”, “Os Sete Samurais”, “Trono Manchado de Sangue” e “Kagemusha-A Sombra do Samurai”. 
É portanto, em boa companhia, que Sam Peckinpah e seus faroestes desmistificadores estão.

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