Gratificante é a palavra que mais me ocorre ao
pensar neste belo trabalho do nosso cinema. É claro, que o cinema nacional não
se equipara ao brilhantismo e à sofisticação do cinema feito na Argentina, por
exemplo, mas é ótimo conferir uma obra que prova a excelência à que podemos
almejar.
No início, "Que Horas Ela Volta?" tem
todos aqueles maneirismos incômodos do cinema independente e marginal de autor,
com aqueles takes abstratos, onde ângulos de câmera parecem posicionados para
captar o mais absoluto nada (e a prova dessa identificação foi a aclamada -e
não menos merecida -premiação no Festival de Sudance, berço dos filmes
independentes), logo, contudo, a história e suas personagens e o bom trabalho
da diretora Anna Muylaert começam a nos cativar.
Val é empregada doméstica de uma família de
classe alta paulista a mais de uma década. Nesse período, ela praticamente
criou o filho da patroa, Flavinho, enquanto chora as saudades da filha,
Jessica, que deixou no nordeste, mas para quem sempre envia dinheiro.
Um belo dia, Jessica (que pretende prestar
vestibular) vai visitá-la, e acaba, por alguns dias, ficando na casa dos
patrões da mãe (já que ela mora no próprio serviço), até que possam resolver a
situação e encontrar lugar para morar.
É exatamente a partir daí que o filme elabora
interessantes e pertinentes situações a respeito do estado das coisas, das
divisões sociais de classe, e dos comportamentos humanos, mascarados muitas
vezes por protocolos que impedem (ou ajudam) as pessoas a esconder aquilo que
são.
Jessica, por exemplo, não tem um pingo da
subserviência da mãe e, feito um furacão, acaba abalando muito do status quo
que parecia petrificado naquela residência: Ela convence os patrões da própria
mãe a lhe ceder o quarto de hóspedes, e essa é só a primeira coisa que faz ao
chegar.
Não funcionaria se o seu elenco não fosse
magnífico: Regina Casé está sensacional, e faz jus a todo o falatório em torno
de sua interpretação (inclusive considerada para muitos prêmios), como Val, ela
consegue ser luminosa, encantadora e genuíuna, jamais caindo no sentimentalista
ou no melodramático. Igualmente surpreendente é a jovem e pouco conhecida
Camila Márdila, talvez a verdadeira força do elenco, apesar da poderosa
presença de Regina, e que surpresa poder ver, irreconhecível, o jovem Michel
Joelsas (o garotinho do ótimo "O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias")
agora quase um moço.
No fim, "Que Horas Ela Volta?" deixa
uma sensação muito agradável, de um filme que cumpriu plenamente seu dever e
seu objetivo: Oferecer uma admirável discussão sobre as desigualdades (e
percepções) sociais, emocionar o público com uma história bela e bem contada, e
entregar uma obra de cinema, caprichada em todo e qualquer aspecto.
Não há porque pedir mais do
que isso.
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