quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Traga - Me A Cabeça de Alfredo Garcia

Repulsa. Raiva. Violência. As pulsões mais adversas e questionáveis do homem são o motor por meio do qual a narrativa de Sam Peckinpah costuma ser impulsionada. Não é diferente neste que surge como um dos mais pessoais trabalhos do diretor.
Alfredo Garcia é um personagem-fantasma que nunca aparece em cena propriamente dito, mas é o tempo todo mencionado, e tem quase uma onipresença no percalço trágico dos personagens. Um deles é Bennie (Warren Oates, admirável), um pianista frustrado nos cafundós da fronteira entre o México e os EUA. Desesperado por uma mudança radical de vida, ele busca segurar com unhas e dentes uma obscura oportunidade que lhe aparece: Ganhar uma bolada em dinheiro para levar até uns homens com pinta de gangsteres à mando de um perigoso coronel a cabeça decepada do tal Alfredo Garcia –ao que parece, ele engraçou-se com a moça errada (e a cena com tal moça, que abre o filme, é tão estranhamente contrastante em sua beleza harmoniosa em relação à feiúra brutal do filme que virá depois, como também vem a representar, ironicamente, seu gatilho narrativo).
Como Alfredo Garcia já havia sido morto dias antes num acidente de carro, ele deduz que a ‘missão’ será simples –encontrar o corpo e decapitá-lo.
Entretanto, achar a sepultura requer a cumplicidade de Elita (Isela Vega, cujas cenas fartas de nudez podem simbolizar a ânsia por redenção dos personagens), com quem Bennie tem um hesitante romance, justamente estremecido, num passado recente, pelo próprio Alfredo Garcia. Além disso, existe a família mexicana de Garcia, para quem sua sepultura é algo sagrado e inviolável, sem falar nos rivais inescrupulosos que desejam a recompensa pela cabeça de Garcia tanto quanto ele.
Assim sendo, esta história irreal, ainda que bastante adequada à ambientação suja, poeirenta e macabra concebida por Peckinpah, vai num crescendo de perversidade e fatalismo à medida que Bennie vai sendo confrontado com obstáculos para os quais não estava preparado (motoqueiros estupradores que surgem do mais absoluto nada; crenças pessoais que aparecem manifestadas como relutância; a inesperada repudia provocada pela cabeça putrefata que atrai um enxame de moscas) –e acabarão por dar uma ênfase muito mais pessoal na sua busca por um propósito são em meio à tanta brutalidade.

É por isso que Peckinpah termina mais este filme num tiroteio catártico onde o sangue derramado e a pólvora despendida acabam sendo um preço bastante caro a se pagar pelas escolhas sórdidas.

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