Já no inicio, o subtítulo onde surge escrito
‘Uma Fábula de Rock & Roll’ dá (ou deveria dar) a devida idéia do que virá
pela frente: Uma produção absolutamente desprovida de realismo, na qual o
expectador, antes de mais nada, deve comprar a idéia e embarcar na viagem
dançante que o diretor Walter Hill propõe.
Em seguida, surgem as indicações ‘Num outro
tempo. Num outro lugar” –de fato, é necessária uma certa abstração no que diz
respeito à tentativa de ambientar a trama. “Ruas de Fogo” se passa num mundo à
parte, recheado de um estranho futurismo-retrô para todos os lados: Uma direção
de arte que aproveita partes do cenário empregado na ficção científica “Blade
Runner-O Caçador de Andróides” (cuja inspiração, à propósito, foi o audacioso
“Metropolis”, de Fritz Lang) serve de moldura para lanchonetes, motos,
veículos, jaquetas de couro e cabelos engomados que remetem aos anos 1950 e 60,
inclusive no onipresente comentário musical (pois a trilha sonora é quase uma
personagem do filme, a influenciar sobre ele e sobre sua atmosfera todo o
tempo). Suas ruas sempre estão molhadas e as cenas acontecem quase sempre à
noite, como se a penumbra noturna fosse ali um período de tempo quase
permanente: As seqüências à luz do dia são, quando muito, fugazes.
Embora de início isso tudo o faça parecer um
corpo estranho na filmografia crua e realista de seu diretor, a trama –como
perceberemos mais à frente –é uma espécie de amálgama de muitas das abstrações
existentes nas obras cinematográficas de Walter Hill, sejam as que ele
realizou, e as que ainda viria a realizar (“Ruas...” foi lançado em 1984).
A jovem e bela cantora, musa de multidões,
Ellem Aim (Diane Lane, absurdamente linda) é raptada por uma gangue de
desordeiros motociclistas. Seu atual namorado e empresário, o escorregadio
Billy Fish (Rick Moranis, um ator irritante que emplacou alguns trabalhos nos
anos 1980 e 90, e depois sumiu) contrata para resgatá-la o único homem capaz de
executar o trabalho: O casca-grossa Tom Cody (Michael Pare, ruim feito uma
ferida), justamente o ex-namorado da moça, que chegou à cidade para visitar sua
irmã (Deborah Van Valkenburgh, que o próprio Hill dirigiu anteriormente em
“Warriors-Os Selvagens da Noite”).
Auxiliado por uma garota de trejeitos
masculinos (Amy Madigan, caricata como a grande maioria dos personagens), ele
adentra o covil dos motoqueiros para tentar libertá-la e, se possível,
confrontar seu perigoso líder, o ameaçador Corvo Shaddock (Willem Dafoe, como
sempre hábil em encontrar o tom certo para o papel).
As cenas que se sucedem à tentativa desses
personagens em escapar do julgo dos motociclistas são muito similares ao que
Walter Hill fez em 1979, em “Warriors”, inclusive aproveitando o registro
visualmente homogêneo e cartunesco que ele oferece das gangues, o quê parece
fazer referência, por sua vez, ao seminal “Amor, Sublime, Amor”, nessa mescla
de música, rebeldia e necessidade juvenil de extravasar certa agressividade.
Outra referência também, entre as muitas que o
filme comporta, são os faroestes, uma visível paixão de Hill, que ele
manifestou de modo mais explícito em outros filmes, como o árido “O Limite da
Traição”, mas que aqui ganha expressão nas cenas de confronto (onde os
antagonistas demonstram um insuspeito código de honra a pairar sobre a sordidez
e a brutalidade), na postura dura e impassível de seu anacrônico protagonista
(particularmente deslocado na cena final, em meio a um show de rock), e no
traquejo com que as cenas de ação –sobretudo aquelas que envolvem armas de fogo –se desenrolam.
Pensar no quão curioso foi
a diferenciada e certamente esmerada elaboração desse estranho mundo no qual
Walter Hill ambientou sua “fábula de rock & roll” tornam ainda mais
intrigantes os rumores de que este foi planejado como o primeiro capítulo de
uma trilogia; seu final, ligeiramente aberto, deixa margem para essa
especulação, com seu herói rumando para um pôr (ou nascer) do sol, não sobre a
cela de um cavalo, mas a bordo de um pitoresco conversível, ao lado de sua
masculinizada parceira.
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