Absolutamente desprovida de qualquer realismo
(a não ser, talvez, o que se chamaria de “realismo fantástico”), esta
desconhecida, porém, vibrante e criativa, obra de Luc Besson é um respiro de
originalidade com sua natureza desigual, até insólita, diante de tantas
produções formulaicas que sempre abarrotaram o circuito comercial (algumas
delas produzidas ou dirigidas pelo próprio Besson).
Num mundo pós-apocalíptico registrado em
imagens em preto & branco, o diretor Luc Besson (aqui, em sua estréia,
plenamente consciente das escolhas que o tornariam uma referência naquele novo
movimento estético do cinema francês que ele iniciava no início dos anos 1980)
acompanha a trajetória de seu herói –um protagonista anônimo, quase mudo, em
meio aos personagens que também não falam para se comunicar –que foge numa
espécie de aeroplano de uma gangue de saqueadores, e em seguida torna-se aliado
do silencioso guardião de um antigo hospital em frangalhos, que cuida com zelo
e cautela do que parece ser a última mulher encontrada nos escombros do mundo
que se acabou.
Apesar do visual preto & branco e da
ausência de diálogos, não é cinema mudo a verdadeira referência de Besson: São,
na realidade, as histórias em quadrinhos européias, sobretudo as conceituais,
como “O Desvio” de Moebius, ou os primeiros e mais radicais esboços de Tanino
Liberatore para “Ranxerox” (que muitos teorizam ter sido uma espécie de
influência velada para Besson realizar seu magnífico “O Profissional”, em 1994).
Prova da concepção anárquica proveniente
daquela fase são as cenas de indelével absurdo que se materializam neste filme,
ele próprio, de uma premissa no mínimo surreal: Uma chuva de peixes, sem
qualquer explicação; o comportamento errático, gestual e carregado de pantomima
de seus personagens (mesmo os supostamente maus e mais sombrios) que remete à
uma estética de desenho animado; e, provavelmente, o inusitado e desconcertante
final, quando Besson escolhe com aparente critério deliberado, um momento
banal, até mesmo corriqueiro, e certamente inconcluso para encerrar a trama e
arremessar o público para fora da história, deixando uma sensação de
estranhamento e perplexidade.
Ele usou desse recurso outras vezes no desfecho
dos seus filmes realizados logo naquele período: Também abandonam o expectador
em momentos assim os igualmente arrojados e pulsantes “Nikita” e “Subway”.
Nenhum, entretanto,
consegue ser tão singular quanto este daqui.
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