quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Os Sonhadores

Já vão longe os tempos em que Bernardo Bertolucci gozava de um prestígio que o colocava entre os grandes diretores do cinema.
“Os Sonhadores” é um trabalho pequeno, longe dos recursos ou da aclamação de obras visionárias e audazes como o escandaloso e brilhante “O Último Tango Em Paris”, ou o oscarizado “O Último Imperador”, mas guarda todos os elementos autorais e a competência artística que fizeram o nome de Bertolucci.
É necessário pouco tempo de filme para perceber que é só por meio de projetos pequenos como este (baixo orçamento, encenação improvisada, liberdade autoral e pleno domínio criativo do material) que Bertolucci pode discorrer sobre cinema da forma como gosta: Fosse este um trabalho de estúdio, e ele teria de moldar muito de sua visão à um esquema mais restrito, politicamente correto e desprovido da sexualidade que ele por vezes usa para expressar as pulsões de muitos de seus personagens.
No papel que a revelou para o mundo, a francesa Eva Green passa boa parte do filme nua em pêlo –e este é só um dos elementos que certamente seriam alterados se o diretor fizesse o filme nos EUA.
Interessante o fato de que, por mais que a polêmica ainda discutida e controversa em torno de “O Último Tango Em Paris” (onde Bertolucci e Marlon Brando teriam submetido a jovem Maria Schneider à uma experiência abusiva durante a famigerada cena da manteiga) não tenha sido esquecida, Bertolucci continua sendo um diretor que atrai intérpretes interessados e, sobretudo, suas atrizes –como Eva Green, neste caso –de dispõem a encarar as audaciosas cenas de nudez e sexo que ele elabora para elas, quando certamente iriam recusar fazê-las com outros diretores.
Eva interpreta Isabelle uma estudante envolvida no tumultuado protesto movido por alunos na França, em maio de 1968. Ao lado dela, Louis Garrel faz seu irmão, Theo, com quem mantém um relacionamento às raias do incestuoso, espécie de conseqüência da postura contestadora que assumem. Mas, eis que vem dos EUA o americano Matthew (Michael Pitt) que ao compor a última ponta desse triângulo amoroso, possibilita ao casal de irmãos uma certa consumação de sua ideologia emocional e física –os três acabam se confinando deliberadamente num apartamento, onde ignoram os acontecimentos exteriores (e tais acontecimentos passam a ser ignorados pela narrativa também que assume ares mais íntimos e menos engajados), e passam a explorar os limites de sua convivência, com direto à referências apaixonadas de cinema da parte de seu diretor, que incluem os clássicos “Band A Part”, de Jean Luc Godard, e “Monstros”, de Todd Browning.
Lançando um olhar sobre a juventude de um momento já crepuscular de sua vida, Bertolucci não escapa ao inevitável de se deixar fascinar pelo corpo nu de Eva Green –ela é, em grande medida, a justificativa de inúmeras cenas, e o pivô romântico que dá respaldo ao filme –e deixa evidente a falta de fôlego que lhe acomete para fazer um filme de mais amplitude (este seria um trabalho completamente diferente se tivesse sido realizado pelo jovem Bertolucci dos anos 1960 e 70, quando entregou obras complexas e comprometidas como “O Conformista” e “1900”) tal como ele chegou a sugerir no seu início; os protestos estudantis, a militâncias, e tantas outras questões já se acham tão distante na memória que só restou a Bertolucci tocá-los sutilmente, como pano de fundo de uma história ainda mais prosaica onde involuntariamente o diretor italiano enfatiza aquilo que ele, por um longo tempo, renegou: A alienação.

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