Já vão longe os tempos em que Bernardo
Bertolucci gozava de um prestígio que o colocava entre os grandes diretores do
cinema.
“Os Sonhadores” é um trabalho pequeno, longe
dos recursos ou da aclamação de obras visionárias e audazes como o escandaloso
e brilhante “O Último Tango Em Paris”, ou o oscarizado “O Último Imperador”,
mas guarda todos os elementos autorais e a competência artística que fizeram o
nome de Bertolucci.
É necessário pouco tempo de filme para perceber
que é só por meio de projetos pequenos como este (baixo orçamento, encenação
improvisada, liberdade autoral e pleno domínio criativo do material) que
Bertolucci pode discorrer sobre cinema da forma como gosta: Fosse este um
trabalho de estúdio, e ele teria de moldar muito de sua visão à um esquema mais
restrito, politicamente correto e desprovido da sexualidade que ele por vezes
usa para expressar as pulsões de muitos de seus personagens.
No papel que a revelou para o mundo, a francesa
Eva Green passa boa parte do filme nua em pêlo –e este é só um dos elementos
que certamente seriam alterados se o diretor fizesse o filme nos EUA.
Interessante o fato de que, por mais que a
polêmica ainda discutida e controversa em torno de “O Último Tango Em Paris”
(onde Bertolucci e Marlon Brando teriam submetido a jovem Maria Schneider à uma
experiência abusiva durante a famigerada cena da manteiga) não tenha sido
esquecida, Bertolucci continua sendo um diretor que atrai intérpretes
interessados e, sobretudo, suas atrizes –como Eva Green, neste caso –de dispõem
a encarar as audaciosas cenas de nudez e sexo que ele elabora para elas, quando
certamente iriam recusar fazê-las com outros diretores.
Eva interpreta Isabelle uma estudante envolvida
no tumultuado protesto movido por alunos na França, em maio de 1968. Ao lado
dela, Louis Garrel faz seu irmão, Theo, com quem mantém um relacionamento às
raias do incestuoso, espécie de conseqüência da postura contestadora que
assumem. Mas, eis que vem dos EUA o americano Matthew (Michael Pitt) que ao
compor a última ponta desse triângulo amoroso, possibilita ao casal de irmãos
uma certa consumação de sua ideologia emocional e física –os três acabam se
confinando deliberadamente num apartamento, onde ignoram os acontecimentos
exteriores (e tais acontecimentos passam a ser ignorados pela narrativa também que
assume ares mais íntimos e menos engajados), e passam a explorar os limites de
sua convivência, com direto à referências apaixonadas de cinema da parte de seu
diretor, que incluem os clássicos “Band A Part”, de Jean Luc Godard, e “Monstros”,
de Todd Browning.
Lançando um olhar sobre a
juventude de um momento já crepuscular de sua vida, Bertolucci não escapa ao
inevitável de se deixar fascinar pelo corpo nu de Eva Green –ela é, em grande
medida, a justificativa de inúmeras cenas, e o pivô romântico que dá respaldo
ao filme –e deixa evidente a falta de fôlego que lhe acomete para fazer um
filme de mais amplitude (este seria um trabalho completamente diferente se
tivesse sido realizado pelo jovem Bertolucci dos anos 1960 e 70, quando
entregou obras complexas e comprometidas como “O Conformista” e “1900”) tal
como ele chegou a sugerir no seu início; os protestos estudantis, a militâncias,
e tantas outras questões já se acham tão distante na memória que só restou a
Bertolucci tocá-los sutilmente, como pano de fundo de uma história ainda mais
prosaica onde involuntariamente o diretor italiano enfatiza aquilo que ele, por
um longo tempo, renegou: A alienação.
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