quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Depois de Horas

Nos anos 1980, Martin Scorsese era visto –naquele ímpeto mesquinho que crítica e boa parte do público têm em rotular grandes diretores, mesmo que gênios –como um grande e pulsante observador da vida urbana em geral, nova-iorquina em particular. Tudo graças ao efeito ressonante e perene que a obra-prima “Táxi Driver” teve na cultura cinematográfica.
Obras seminais como “Os Bons Companheiros” e “A Época da Inocência” só viriam mais tarde, para mostrar que, como autor cinematográfico, Scorsese era capaz de moldar as mais vastas e distintas experiências sensoriais, sem amarras de gênero ou ambientação. Seus últimos trabalhos haviam sido “O Rei da Comédia” e o magnífico “Touro Indomável”, ambos com Robert De Niro, assim como “Táxi Driver”.
Em 1985, ele então promoveu uma desconstrução na maneira com que seu estilo vinha sendo percebido: “Depois de Horas” era uma comédia que, em essência, versava sobre muito da mesma premissa que “Táxi Driver”, a crueldade inerente e humana implícita na sociedade urbana que aflora na noite metropolitana.
Se a violência de “Táxi Driver” era forjada pelas assombrações pessoais da mente, “Depois de Horas” oferecia uma brutal e esmagadora inquisição nascida do cinismo.
Findo o expediente de seu trabalho, um rapaz nova-iorquino (Griffin Dunne) marca um encontro com uma charmosa garota (Rosana Arquette) que ele conheceu em uma lanchonete. Ela mora no Soho, para onde ele se encaminha num táxi, e logo ali, já iniciam-se os problemas indicativos da noite infernal que terá: A nota de dinheiro que dispunha para pagar as despesas da noite é levada pelo vento da janela, e ele fica sem nada. Mais tarde, tentando voltar para casa, ele irá acumular encrencas e mais encrenca, que o colocarão, inclusive, na mira da polícia.
Destilando o mais negro dos humores, o mestre Martin Scorsese conduziu esta comédia primorosa com um ritmo tão brilhante quanto acelerado –o repertório de movimentos de câmera exibido aqui, para a década de 1980 de então, era um virtuosismo! –enquanto submetia seu incauto e desafortunado protagonista à toda sorte de acontecimentos tragicômicos, numa espécie de “Alice No País das Maravilhas” deturpado, urbano e corrosivo, equilibrando plots narrativos e situações de indeferível expectativa que vão se somando e envolvendo a perplexidade do expectador.
Uma pérola em tintas completamente diferentes -e por isso mesmo, preciosa -de tudo que o mestre havia entregue até então.

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