Nos anos 1980, Martin Scorsese era visto –naquele
ímpeto mesquinho que crítica e boa parte do público têm em rotular grandes
diretores, mesmo que gênios –como um grande e pulsante observador da vida
urbana em geral, nova-iorquina em particular. Tudo graças ao efeito ressonante
e perene que a obra-prima “Táxi Driver” teve na cultura cinematográfica.
Obras seminais como “Os Bons Companheiros” e “A
Época da Inocência” só viriam mais tarde, para mostrar que, como autor
cinematográfico, Scorsese era capaz de moldar as mais vastas e distintas experiências
sensoriais, sem amarras de gênero ou ambientação. Seus últimos trabalhos haviam
sido “O Rei da Comédia” e o magnífico “Touro Indomável”, ambos com Robert De
Niro, assim como “Táxi Driver”.
Em 1985, ele então promoveu uma desconstrução
na maneira com que seu estilo vinha sendo percebido: “Depois de Horas” era uma
comédia que, em essência, versava sobre muito da mesma premissa que “Táxi Driver”,
a crueldade inerente e humana implícita na sociedade urbana que aflora na noite
metropolitana.
Se a violência de “Táxi Driver” era forjada
pelas assombrações pessoais da mente, “Depois de Horas” oferecia uma brutal e
esmagadora inquisição nascida do cinismo.
Findo o expediente de seu trabalho, um rapaz nova-iorquino (Griffin Dunne) marca um encontro com uma charmosa garota (Rosana Arquette) que
ele conheceu em uma lanchonete. Ela mora no Soho, para onde ele se encaminha
num táxi, e logo ali, já iniciam-se os problemas indicativos da noite infernal
que terá: A nota de dinheiro que dispunha para pagar as despesas da noite é
levada pelo vento da janela, e ele fica sem nada. Mais tarde, tentando voltar
para casa, ele irá acumular encrencas e mais encrenca, que o colocarão,
inclusive, na mira da polícia.
Destilando o mais negro dos
humores, o mestre Martin Scorsese conduziu esta comédia primorosa com um ritmo
tão brilhante quanto acelerado –o repertório de movimentos de câmera exibido
aqui, para a década de 1980 de então, era um virtuosismo! –enquanto submetia seu
incauto e desafortunado protagonista à toda sorte de acontecimentos
tragicômicos, numa espécie de “Alice No País das Maravilhas” deturpado, urbano
e corrosivo, equilibrando plots narrativos e situações de indeferível
expectativa que vão se somando e envolvendo a perplexidade do expectador.Uma pérola em tintas completamente diferentes -e por isso mesmo, preciosa -de tudo que o mestre havia entregue até então.
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