quinta-feira, 30 de março de 2017

Despedida Em Las Vegas

Na cena-prólogo que transcorre (e que antecipa com audácia todos os créditos iniciais) o primeiro take já é desconcertante: Nicolas Cage anda, descontraído, por um supermercado a empurrar um carrinho de compras.
Um movimento quase corriqueiro de câmera é, contudo, razão de imediato consternamento: Ao mostrar o conteúdo do carrinho, tudo o que o expectador vê são garrafas e mais garrafas de bebidas alcoólicas.
E aquilo que há um segundo atrás parecia descontração, logo o personagem de Nicolas Cage e as cenas demolidoras que se seguirão tratarão de deixar bem claro que é a mais implacável das dependências.
É assim, cheio de ironia (inclusive para com o drama de seu próprio protagonista) que começa “Despedida Em Las Vegas”, onde o diretor Mike Figis, em nome da decisão louvável de evitar sentimentalismo barato, empresta variadas técnicas de um registro mais neo-realista (e naturalista) para contar a via crusis de seu personagem: Roteirista alcoólatra e fracassado (Cage, em brilhante atuação) após perder o emprego e ser abandonado pela mulher tem uma decisão radical; Vender todos os bens e rumar para Las Vegas, com a única intenção de beber até morrer. Não estava em seus planos, porém lá conhecer, e de certa forma se apaixonar, por uma prostituta (Elisabeth Shue, também ela primorosa).
Nos moldes das personagens prostitutas de Fellini, ela revela-se uma mulher de bom coração, e se dispõe a acompanhá-lo em sua deterioração pessoal e física, em parte pela sua própria falta de perspectiva.
Percebe-se, de maneira bastante imediata, então, a inclinação do sensível diretor Mike Figis em absorver preciosas lições do cinema europeu, e ignorar as tendências burocráticas do cinema americano a que pertence: Tal demonstração de ímpeto e personalidade foi recompensada no Oscar 1995 com significativas indicações –a dele, para Melhor Diretor, a de Elisabeth, para Melhor Atriz –e uma, mais significativa ainda, vitória –a de Nicolas Cage, como Melhor Ator.
Foi depois desta conquista que Nicolas Cage tornou-se um dos maiores astros de Hollywood em meados da década de 1990, até afundar a própria carreira em dívidas financeiras e projetos discutíveis.
Uma prova, irônica e cruel, de que ele compreendeu, na vida real, as vicissitudes do auge e da decadência experimentadas por seu trágico personagem.

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