Michael Haneke inspirou-se numa história real
(sobre o inexplicado e inexplicável suicídio de toda uma família) que muito
chamou sua atenção para a criação deste seu primeiro trabalho cinematográfico,
datado de 1989 –mas, espantosamente atual e pertinente.
É de se supor o choque provocado por um diretor
ao entregar um filme tão absolutamente niilista, focado de maneira tão
contundente e inédita no vazio existencial dos personagens. Nós, que já
conhecemos o realizador Haneke vindo de uma série de obras consagradas e das
quais sabemos muito bem o quê esperar –um fator fundamental para compreender e
apreciar seus trabalhos –podemos, por outro lado, ver “O Sétimo Continente” por
aquilo que ele é: A primeira expressão de um estilo avesso à adulação do público,
voltado para inquietações perenes e, desde o início, amparado numa técnica
assimétrica, centrada e esmagadoramente austera.
Georg (Dieter Berner) e Anna (Birgit Doll)
formam um casal austríaco de classe média. Vivem bem, são saudáveis e têm uma
filha, a pequena Evi.
De início o registro de Haneke da rotina dessa
família é alarmante mais pela impessoalidade atroz que ele imprime do que por
qualquer coisa que se perceba de errado: As tomadas e os enquadramentos de câmera
evitam mostrar rostos, focando apenas na repetição das tarefas domésticas.
Logo, é possível captar uma angústia incontornável
carregada de distanciamento e opressão. O consumismo, a mecanização da vida, a
ausência de um propósito salutar parece rondar o dia-a-dia daqueles
personagens, e Haneke não tem pudor em evidenciar isso com um talento
insuspeito.
Ele divide seu filme em três capítulos que
registram, rigorosamente, três dias em três anos específicos (1987, 1988 e
1989) antes da tragédia de fato se consumar.
Haneke trabalha com a presunção subconsciente
do expectador (alimentada pelo consumo de cinema comercial, convencional e
formulaico) de que as respostas para o quê se passa no terceiro ato (a família inicia um processo cruel onde abre mão violentamente de seus bens
materiais destruindo-os, o quê conduz ao derradeiro, perturbador e por vezes
incompreensível ato no final do filme, quando põem fim à própria existência)
estavam todas nos dois primeiros, e embora haja uma reflexão em torno da condição
dos países de primeiro mundo como a Áustria –de pessoas materialmente ricas,
mas espiritualmente pobres –essa jamais aparece como uma conclusão fechada.
Como sempre ocorre com
Haneke, o ato de refletir vem acompanhado da sensação de um verdadeiro soco no
estômago. Neste caso, o primeiro de muitos que este autor brilhante e talentoso
ainda viria a desferir.
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