A gradativa (e quase sempre imperceptível)
transmutação que a determinação em sua aplicação mais paulatina e constante
sofre até se tornar obsessão, e então deixar-se transfigurar pela insanidade.
É essa questão que interessa a Werner Herzog na
grande maioria de seus trabalhos –é de um quase respeito e reconhecimento a
forma com que ele observa a queda desses protagonistas específicos que ele
nomeou em direção à uma loucura que eles mesmo, sem querer, almejaram; e na
maioria dos casos, também, esses protagonistas ganharam a expressão de Klaus
Kinski: “Fitzcarraldo”, “Cobra Verde”, “Aguirre-A Cólera dos Deuses” e até
mesmo “Nosferatu-O Vampiro da Noite”.
Todos são seres tragados pela própria natureza
inerente à sua vontade e apesar dela.
E todos tinham a acomodação desigual, assim
como abismos negros insondáveis de angustia proporcionados pela caracterização
particular que Kinski deu a cada um.
Engolido pelo exotismo vasto e pela promessa de
infindáveis riquezas naturais da Floresta Amazônica, Fitzcarraldo (é como
Fitzgerald é chamado pelos índios) logo prospera com o comércio da borracha
obtida nas seringueiras. A intenção de trazer a civilização até aquele ambiente
inóspito lhe parece ser o passo seguinte irmanando-se à nobreza dos
desbravadores que ergueram cidades inteiras nos confins da América.
Fitzcarraldo quer mais que isso, quer levar a arte européia e aristocrática ao
coração da selva, e esse ímpeto está ilustrado com potência no sonho de lá
construir uma ópera. Mas, até os sonhos megalomaníacos precisam avançar com
alguma cautela: Antes de tal feito, ele deve encontrar um meio de chegar em
algumas regiões tidas por intransponíveis com seu imenso barco a vapor.
A síntese visual com a qual Herzog registra essa
jornada espelha, ela própria, a obsessão desse protagonista e sua incapacidade
de retroceder: A impressionante cena em que esforços inacreditáveis são
despendidos para fazer com que tal embarcação seja empurrada por toda uma
montanha de terra e lama acima, para então chegar ao rio é reconstituída em
toda a sua minúcia de irreal absurdo, sem qualquer intervenção de efeitos
digitais, tão longe estavam eles de entrarem em voga.
Composto de diversas
passagens momentosas de almejado impacto, “Fitzcarraldo” está ao lado de obras
maiúsculas como “Apocalypse Now”, “2001-Uma Odisséia No Espaço”, ou mesmo
“Titanic”, nas quais a determinação singular de uma mente criativa enxerga no
próprio cinema uma forma de expressão para rompantes tão inacreditáveis que só
seriam críveis se fossem materializados de fato em frente às câmeras.
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