segunda-feira, 27 de março de 2017

Espíritos Condenados

Uma angústia onipresente já contamina as cenas desde o início de “Vinyan”, ou “Espíritos Condenados” (título que faz uma enganosa alusão à um filme de terror), indicando o irrestrito controle que o diretor Fabrice Du Welz exerce, sobretudo, em seu clima e atmosfera, tornando seu filme tão opressor quanto intrigante.
Ele contrapõe, cruelmente, seus protagonistas a dois extremos com os quais se mostram incapazes de lidar: De um lado, a fatalidade consumada e em processo de inegociável aceitação, ainda que isso seja pior a que a própria morte, e do outro, um lampejo de esperança tão tênue e fugaz, tão fraco e sem propósito que a única maneira de encará-lo é agarrar-se a uma espécie de loucura, uma desesperada incapacidade em crer na dor que não se consegue aceitar.
No filme de Du Welz, a fé é um veneno que impele seus personagens na direção de uma armadilha quase certa, mas que o diretor tem certa habilidade em ocultar, revestindo sua obra com uma névoa imponderável de fantasia –ou da possibilidade do irreal.
A rotina de Jeannie (a francesa Emmanuelle Beart com seus grandes olhos embriagantes) não avança com qualquer ânimo, a despeito de suas tentativas em conformar-se com uma vida de luxo na Europa.
Seu desespero se deve pelo desaparecimento do filho único, ocorrido a seis meses atrás, durante um tsunami que quase varreu o Sudoeste Asiático.
Tomada por um ímpeto súbito, ela conduz o próprio marido, o norte-americano Paul (Rufus Sewell), a uma viagem de busca à Birmânia, onde ela julga ter visto a criança em um video amador.
Lá, eles perdem-se em meio às florestas e rios, e encontram uma tribo de meninos, bem como os fantasmas de sua própria mente.
Ainda que sempre envolvente, o diretor Du Welz construiu um trabalho lento, confuso, fatalista, que tira bom proveito de sua ambientação, o que lembra algo da crueza surreal de "Apocalypse Now".
Como aquela grande obra, esta não deixa de ser um mergulho incondicional na (in) sanidade orquestrado em nível muito mais intimo (esta é, afinal, a busca de um casal por seu filho desaparecido), mas ainda visando as mudanças periféricas de ordem social e histórica por meio de forte alegoria: A cena final (Emmanuelle, nua, rodeada e tocada por um sem fim de pequenas mãos de jovens meninos tem seu corpo untado em lama, transformando-se, por assim dizer, num deles, depois de ter sido conivente com uma louca atrocidade anterior), o momento onde suas metáforas ganham maior ênfase, é um instante difícil de ser superado depois que o filme acaba.
O exotismo das imagens e do ambiente retratado, porém, alimenta uma certa superficialidade no seu objetivo de estranheza. Rufus Sewell esforça-se em seu papel, apesar de um pouco apático, e Emmanuelle Beart, embora não esteja em seus melhores dias, ostenta melancolia com intensidade.

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