Diretores de terror que exerceram sua função no
passado –em especial, entre os anos 1950, 60 e 70 –valeram-se de muitos ícones
da literatura para dar corpo às suas obras, tais como Edgar Alan Poe, H.P.
Lovecraft e outros.
Cineastas como Roger Corman e Mario Bava são
particularmente relacionados a essas adaptações e, como a comparação aos dois
parece ter sido inevitável devido ao perfil da carreira do espanhol Jess
Franco, também ele, enveredou por adaptações –ele fez, por exemplo, uma versão
infame e notória de “A Queda da Casa de Usher”.
Conforme Jess Franco moldava uma espécie de
carreira involuntária, aos trancos e barrancos, a medida que as limitações orçamentárias
permitiam as materializações de suas maluquices, e se afastava da elegância e
sofisticação que ele tentou impor em seus primeiros trabalhos (embora,
certamente, na opinião do próprio ele sempre tenha feito um cinema elegante e
sofisticado...), as influências literárias também mudavam, conduzindo-o a
projetos que se mostraram definitivos para a forma com que Jess Franco é
percebido pelo público hoje.
Um dos (poucos) períodos de “vacas gordas”
experimentados por Franco foi quando o produtor Harry Alan Towers bacou alguns
de seus projetos, incluindo este, “Santuário Mortal”, inspirado na obra
literária “Justine” do Marquês De Sade, um filme bastante significativo para o
Jess Franco de obras quase descontroladas, compostas por improvisos nem sempre
inspirados, caóticas, quase mambembes, tal e qual “Pesadelos Noturnos”,
“Macumba Sexual” e outras presepadas.
Eu não quero ser injusto para com Franco. É
verdade que seus filmes têm algo mais, do contrário, não seriam comentados e
relembrados, hoje, quarenta anos (ou até mais) de muitas de suas realizações.
Talvez, seja essa sensação de possibilidades inúmeras que seu ritmo e sua
encenação solta passam ao expectador –tem-se a impressão de que a qualquer
momento pode ocorrer algo deliciosamente absurdo, como a aparição injustificada
de um monstro, a introdução súbita de elementos sobrenaturais, ou uma seqüência
abrupta de nudez.
Todavia, não é bem isso que se vê aqui.
Este filme introduz um prólogo, em uma cela de
cadeia, onde o Marquês De Sade em pessoa (vivido por Klaus Kinski, no que me
fez lembrar vagamente de “Os Contos Proibidos do Marquês De Sade”) tem uma série
de delírios que aparentemente lhe despertam inspiração para escrever a trama que
de fato se descortina no filme: Século 18. França. Justine (a jovem Romina
Power) e sua irmã Juliette (Maria Rohm) deixam o convento onde foram educadas
após o desaparecimento de seu pai.
Uma vez em Paris, as duas seguem caminhos
distintos: Enquanto Juliette cede às necessidades e ingressa num prostíbulo,
Justine opta por preservar suas virtudes e arruma inicialmente um serviço como
empregada. Porém, vítimas de enganações, trapaças e mentiras, Justine sofre várias
desventuras que a conduzem, por fim, a um antigo santuário, na qual suas
esperanças de voltar a viver em oração e harmonia como no velho convento, se
renovam.
Ledo engano, é provavelmente este trecho –emblemático
para o filme e, por que não, para o próprio Jess Franco –que justifica o título
nacional, “Santuário Mortal”.
Comandado por um endiabrado e delirante Jack
Palance, vivendo um certo Irmão Antonin, o lugar acomoda monges devassos e
alucinados que promovem orgias e festividades obcenas das quais a pobre Justine
será vítima.
Embora a “moral” do filme seja a de que o
excesso de bondade conduz ao sofrimento (Juliette, a irmã inescrupulosa sai-se
bem melhor), a possível intervenção do produtor amenizou muito do teor que este
filme poderia vir a ter: Jess Franco realizou obras infinitamente mais
erotizadas, sanguinárias e conturbadas.
Esta produção foi então o mais próximo que o espanhol maluco chegou do esquema de produção comercial, embora isso, de certa maneira, o tenha afastado um
pouco de si mesmo.
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