quinta-feira, 23 de março de 2017

Begotten

Eu já mencionei, algumas vezes, a respeito dos filmes inclusos naquela famigerada lista de “filmes mais perturbadores do cinema”, como “Irreversível”, “Audition”, “Eraserhead”, “Ichi-O Assassino” e “Saló-Os 120 Dias de Sodoma”.
Chegou a hora de falar daquele que, em minha humilde opinião, ocupa o primeiro lugar nessa lista: O artístico, simbólico, atroz, experimental e horripilante “Begotten”.
Minha relação com esse filme começou hesitante. Ouvia falar dele aqui e ali, onde sempre comentavam sobre as idéias concebidas pelo diretor E. Elias Merhige (que depois realizaria os mais convencionais “A Sombra do Vampiro” e “Suspeito Zero”), me chamando a atenção o fato de que todos sempre exprimiam uma espécie de recomendação muito parecida –Assista por sua própria conta e risco!
Eis que depois de um tempo eu descobri que, embora ele jamais tivesse sido e provavelmente jamais venha a ser lançado em DVD (pois é bastante improvável que uma distribuidora tenha a audácia para se atrever a tal coisa), “Begotten” estava disponível, na íntegra, no youtube.
O quê eu vi, naqueles setenta e dois minutos, é um filme capaz de deixar um ser humano embasbacado e desestabilizado por semanas a fio.
“Begotten”, como não poderia deixar de ser, é aquele tipo de filme que permanece com você, impregnado na sua memória, como algo que te assombrará por um bom tempo.
Em sua trama (se é que a narrativa composta pelas imagens permite o uso dessa palavra), tudo o que vemos é, numa linguagem quase de filme mudo (em preto e branco, com ausência de diálogos), uma tapera caindo aos pedaços numa floresta. Dentro dela, o que parece ser um velho envolto em túnicas brancas (Deus?) mexe em uma navalha. Logo, ele a usará para abrir a própria barriga (!) de onde, após uma sucessão de sangramentos, auto-mutilações e auto-estripações que parecerão não ter fim, sairá uma mulher (A Terra?), que na seqüência irá se fecundar com o sêmen do próprio velho (!).
A mulher tem um filho (A Humanidade?), mais tarde adulto num deserto, onde convulsões parecem afligir seu corpo. Ele é encontrado por uma horda que o submetem a torturas físicas infindáveis: Ele é mutilado, machucado, humilhado e estuprado.
A mulher que o gerou reaparece para encontrá-lo milagrosamente reparado –e nenhuma dessas manobras narrativas ganha qualquer esclarecimento lúcido. Depois, porém, é a própria mulher que é encontrada pela horda anterior, e por todos os seus integrantes, ela é longa e insuportavelmente estuprada. Mãe e filho são esquartejados e enterrados e, desses restos mortais, nasce assim uma floresta (!).
Não obstante o teor profundamente chocante que acompanha todas as suas cenas, “Begotten” possui um subtexto pertinente e relevante acerca da atroz metodologia da religião e a crueldade natural embutida nos preceitos da crença. O próprio fato da imagem do filme ser granulada e preto e branco, fazendo-o parecer muito mais antigo do que de fato é (data de 1991), remete aos elementos primordiais de luz e trevas.

Mas, você não irá pensar nisso depois de assisti-lo (pelo menos, não durante um bom tempo...), tudo o que ficará em sua mente será o choque proporcionado por momentos tão explícitos quanto assustadores.

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