domingo, 30 de abril de 2017

A Paixão de Joana D' Arc

A maneira com que o diretor dinamarquês Carl Dreyer encontrou para expressar o conflito de ideologias que cercou o julgamento de Joana D’ Arc, na medida em que disponha dos recursos limitados da era do cinema mudo, foi valer-se de uma quantia esmagadora de closes que predominam durante a primeira parte do filme, a evidenciar os meandros humanos num debate quase unilateral (estamos, afinal de contas, na época da Inquisição) de complexas filosofias metafísicas.
Para tanto, sua atriz principal (que em alguns lugares aparece como Maria Falconeti, e em outros é mencionada como Reneé Falconeti) bem como a riqueza de expressões que ela demonstra ao longo de todo o filme é de uma importância tremenda aos objetivos de Dreyer.
Camponesa tornada guerreira a partir dos desígnios do que ela afirma terem sido visões santas (em especial, São Miguel e o arcanjo Gabriel), Joana D’ Arc tem de enfrentar um julgamento por heresia após liderar tropas francesas na guerra contra os ingleses. O filme salta todos os eventos que envolvem as batalhas e os aspectos da guerra (ao contrário do que fizeram todas as produções sobre o tema que vieram depois) e se concentra, sem piedade nem concessões, nas agruras psicológicas do julgamento, reconstituído por Dreyer à partir dos documentos originais manuscritos do processo.
A encenação se debruça sobre questões como a enorme pressão psicológica que os Doutores da Inquisição impuseram à essa jovem durante o julgamento, suas perguntas de duplo sentido, ora impregnadas de sarcasmo, ora de declarada repulsa.
Queriam extrair dela uma confissão de heresia sob pretexto de que isso libertaria sua alma. E, num breve momento de fraqueza, eles até conseguem: Uma série de elipses e takes minuciosamente elaborados e orquestrados revelam que Joana desistiu de tal idéia, ela recupera a fé momentaneamente perdida e refuta o acordo covarde da Inquisição. O resultado disso: Sua condenação à fogueira.
A obra de Carl Theodore Dreyer é bastante indicativa acerca dos caminhos seguidos por muitos autores de engajado pudor artístico que vieram depois, como Ingmar Bergman ou Lars Von Trier. Aquele desejo ardente de buscar as profundezas insondáveis do ser humano e sua inclinação à auto-destruição expressou-se, pela primeira vez, em obras como esta daqui.

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