A maneira com que o diretor dinamarquês Carl
Dreyer encontrou para expressar o conflito de ideologias que cercou o
julgamento de Joana D’ Arc, na medida em que disponha dos recursos limitados da
era do cinema mudo, foi valer-se de uma quantia esmagadora de closes que
predominam durante a primeira parte do filme, a evidenciar os meandros humanos
num debate quase unilateral (estamos, afinal de contas, na época da Inquisição)
de complexas filosofias metafísicas.
Para tanto, sua atriz principal (que em alguns
lugares aparece como Maria Falconeti, e em outros é mencionada como Reneé
Falconeti) bem como a riqueza de expressões que ela demonstra ao longo de todo
o filme é de uma importância tremenda aos objetivos de Dreyer.
Camponesa tornada guerreira a partir dos
desígnios do que ela afirma terem sido visões santas (em especial, São Miguel e
o arcanjo Gabriel), Joana D’ Arc tem de enfrentar um julgamento por heresia
após liderar tropas francesas na guerra contra os ingleses. O filme salta todos
os eventos que envolvem as batalhas e os aspectos da guerra (ao contrário do
que fizeram todas as produções sobre o tema que vieram depois) e se concentra,
sem piedade nem concessões, nas agruras psicológicas do julgamento,
reconstituído por Dreyer à partir dos documentos originais manuscritos do
processo.
A encenação se debruça sobre questões como a
enorme pressão psicológica que os Doutores da Inquisição impuseram à essa jovem
durante o julgamento, suas perguntas de duplo sentido, ora impregnadas de
sarcasmo, ora de declarada repulsa.
Queriam extrair dela uma confissão de heresia
sob pretexto de que isso libertaria sua alma. E, num breve momento de fraqueza,
eles até conseguem: Uma série de elipses e takes minuciosamente elaborados e
orquestrados revelam que Joana desistiu de tal idéia, ela recupera a fé
momentaneamente perdida e refuta o acordo covarde da Inquisição. O resultado
disso: Sua condenação à fogueira.
A obra de Carl Theodore
Dreyer é bastante indicativa acerca dos caminhos seguidos por muitos autores de
engajado pudor artístico que vieram depois, como Ingmar Bergman ou Lars Von
Trier. Aquele desejo ardente de buscar as profundezas insondáveis do ser humano
e sua inclinação à auto-destruição expressou-se, pela primeira vez, em obras
como esta daqui.
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