segunda-feira, 10 de abril de 2017

Filhas das Trevas

Muito antes do diretor Tony Scott apresentar a vampira Catherine Deneuve e a humana Suzan Sarandon como duas amantes em “Fome de Viver” –e tornar-se assim um referencial para os filmes de vampiros e lesbianismo chic –houve este filme dos anos 1970, com enredo e tratamento muito parecidos.
Curioso notar, em justaposição aos trabalhos feitos nos dias de hoje, que antigamente, mesmo as obras de orientação mais sobrenatural se debruçavam sobre a dramaturgia, a austeridade e a construção sensata e serena de uma história com lógica e coerência, sem a dependência de efeitos especiais –usados hoje, praticamente como muleta e justificativa para a frouxidão constante das narrativas apresentadas.
“Filhas das Trevas” parte de uma trama ambientada nos anos 1970, que inicialmente acompanha um casal apaixonado e recém-casado, a belíssima e passiva Valerie (Danielle Quimet) e o estranho e algo temperamental Stefen (John Karlen).
Ainda que marcado pela lascívia dos jovens amantes, o casamento dos dois tem, desde o começo, algumas objeções: Stefen tem rompantes inesperados (e inexplicados) de rudeza e violência. E Valerie se ressente, sobretudo, por ele hesitar em contar para sua mãe do matrimônio.
Quando os dois se hospedam num luxuoso hotel europeu à beira-mar, ele finalmente cede e telefona para a mãe contando-lhe a novidade: E então, descobrimos que sua mãe é, na verdade, um homem (talvez, seu pai) travestido e de aspectos afeminados (!).
Ele é contra o casamento –provavelmente devido à tendências estranhamente misóginas –o quê justifica em parte o estranho comportamento de Stefen.
Logo, o hotel receberá outros hóspedes: A lendária Condessa Elizabeth Bathory (Delphine Seyrig) assim como sua bela e insinuante acompanhante, Liona ( Andrea Rau).
Bathory (cujo fato de ser uma vampira é sugerido com minúcia e cautela incomuns pela narrativa) e Liona buscam, então, enredar o casal na tentativa de seduzir a tentadora Valerie e ao mesmo tempo, servir-se do sangue de Stefen.
Dirigido por Harry Kumel, amparado em uma série de elementos que definiam o gênero de terror de então (tão difundido pelas produções da Hammer daquele período), o filme tem ritmo lento, sofisticação e erotismo em doses moderadamente pensadas, e joga uma ênfase muito particular sobre as personagens femininas (além de Danielle Quimet e Andrea Rau, ambas belíssimas e maravilhosas, há também Delphine Seyrig, absolutamente reverenciada em cena, seja pelo roteiro, pela encenação ou pela narrativa), em completo e notável detrimento dos personagens masculinos –mostrados como imaturos, impulsivos, inseguros e rancorosos.
O curioso mesmo é notar que (salvo alguns rápidos momentos e provavelmente a sua cena final) o roteiro trata sua história com dualidade, realismo e deixando sempre aberta a margem para interpretações: Nunca ocorre absolutamente nada de anormal ou de escancaradamente sobrenatural em cena, podendo até ser questionado se este é um filme de vampiros de fato.

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