Assim como em “O Sétimo Continente”, Michael
Haneke parte de uma trágica e alarmante notícia de jornal como ponto de partida
de sua narrativa, embora a última coisa que lhe ocorra seja uma reconstituição
convencional dos fatos.
Como o próprio título já permite decifrar, ele
concebe uma sucessão de pequenas cenas, “fragmentos” que, separados todos por
um fade elíptico e abrupto, parecem saltar de situação em situação personagem
em personagem, e durante boa parte de sua enxuta duração, aparentam nada
mostrar: Um pequeno órfão de Bucareste chegando clandestinamente à Áustria; um
jovem militar invadindo o armário de armas do quartel-general; um casal de
classe média às voltas com a doença da filha pequena e com uma deprimente crise
matrimonial que se instala; um rapaz encontrando gradativa dificuldade em
interagir socialmente; um senhor de meia idade e sua complicada relação com a
filha esnobe, gerente de um banco; outro casal tentando adotar uma criança, a
despeito da imensa incompatibilidade emocional que a menina ostenta;
entremeando esses corriqueiros registros cotidianos, o diretor contrapõe cenas
de um noticiário envolvendo, não raro, conflitos mundiais que nunca cessam,
detalhes redundantes em meio à guerra, e celebridades, numa forma de expor a
futilidade com que a mídia absorve os acontecimentos do nosso mundo.
Haneke joga assim com a pressuposição
subconsciente do expectador de que, em algum momento, essas pontas soltas irão
se juntar; e isso até ocorre, mas não definitivamente da maneira como
esperamos.
Em todos os seus trabalhos, Haneke oferece ao
expectador uma arquitetura cênica na qual as criteriosas posições de câmera (ou
os econômicos e contundentes movimentos que ela irá realizar) são tão
fundamentais ao desdobramento da trama quando as ações dos personagens.
Ele também oferece duas notáveis seqüências
–uma no início, a outra já no desfecho –em que a câmera assume uma posição
semelhante em ambas (um contra-plongeé radical acompanhando a caminha de um
personagem; o pequeno órfão na primeira, o rapaz anti-social na segunda)
fazendo lembrar um ponto de vista subjetivo superior e, arrematando esta obra
fragmentada entre essas duas extremidades.
Parte daí, de certa forma,
a concepção que orienta essa narrativa: A de que, em última instância, estamos
a lidar com peças de um quebra-cabeças sofisticado, na forma de pedaços
aleatórias de trama, por meio dos quais, em sua amplitude, diversidade e
interação (ou ausência de interação) Haneke vislumbra a banalidade de tudo e o
acaso que aflige as vidas humanas.
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