Há um encanto todo particular nesta obra, uma
das poucas onde o grande John Ford afastou-se do faroeste, o gênero que lhe
concedeu a grandeza em Hollywood. E, de fato, ver John Wayne em cena vestido
nos figurinos da década de 1920 (durante a qual o filme se passa) provoca uma
curiosa sensação –também ele e sua persona parecem, de início, deslocados fora
das características de cowboy a que lhe foram atribuídas.
Mas, este é só mais um dos inúmeros detalhes
cativantes deste belíssimo trabalho, pelo qual John Ford ganhou o Oscar de
Melhor Diretor em 1952 (Ford ganhou em outras três ocasiões, sendo o recordista
nessa categoria) e que foi agraciado também com o Oscar de Melhor Fotografia
(os dois cinegrafistas premiados, Winton C. Hoch e Archie Stout, compuseram
imagens idílicas, de uma colorização discreta e de beleza luminosa e serena,
vindo de encontro ao que possivelmente deve ser uma idealização do diretor).
Ele mesmo um imigrante irlandês que tentou a
sorte nos EUA (assim como o protagonista), John Ford criou aqui uma declaração
de amor à sua terra natal: A Irlanda surge como um ambiente de tradições tão
arcaicas quanto graciosas, de pessoas religiosas e respeitadoras de um código
de honra com o qual o cinema da Velha Hollywood se identificava muito mais do
que hoje em dia, de bares freqüentados por consumidores de cerveja preta,
briguentos e cantores de belas cantigas populares irlandesas.
É para esse mundo que regressa Sean (John
Wayne, num grande trabalho), um ex-boxeador que lá nasceu e que para La voltou
por conta de uma tragédia pessoal (esmiuçada com clareza e economia de recursos
louvável pela narrativa) com planos de por lá ficar.
Como em todas as circunstâncias onde um
aparente forasteiro tenta se estabelecer numa comunidade mais antiquada e
fechada, ele encontra certa hostilidade. E ela vem exclusivamente do avarento
Danaher (Victor McLaglen, divertidamente implicante), justamente o irmão mais
velho da linda e temperamental ruiva, Mary Kate (Maureen O’ Hara, charmosa e
irresistível), por quem Sean acaba se enamorando.
Essa pequena rusga começa a criar proporções
mais complicadas para o protagonista quando ele por fim consegue casar-se com a
mulher que ama, embora seu irmão se recuse –como é costume ancestral na Irlanda
–a dar-lhe o dote, o quê a deixa infeliz e estremece a relação entre ela e
Sean.
Os desenlaces narrativos pensados por John Ford
deixam bem claro o quanto sentimentos como rancor e melancolia passam longe de
suas reminiscências: Esta é uma comédia, e os percalços registrados por ele, do
início ao fim, constroem uma atmosfera da qual o expectador sairá com um
indelével sorriso no rosto.
A seqüência de cenas
memoráveis impressiona: Maureen O’ Hara, surpreendida por John Wayne na ainda
desabitada casa em que irão morar, é puxada pelo braço de encontro ao peitoral
dele e, ao som exclusivo do silvo do vento, trocam um beijo (tão maravilhosa
essa cena é que o próprio Steven Spielberg a refez, a título de homenagem, em
“E.T.”); a chuva que cai sobre os protagonistas, de maneira lírica, no encontro
no cemitério; a corrida de cavalos transcorrida nas margens arenosas de uma
praia, onde os cavaleiros disputam não chegar na frente uns dos outros, mas
alcançar os chapéus deixados pelas donzelas em estacas na areia –e esse momento
deixa bastante claro a enorme perícia de John Ford em trabalhar cenas coletivas
–e, por falar em cenas coletivas, o quê dizer da seqüência final, quando John
Wayne arrasta Maureen O’ Hara pela mão, seguido por toda a aldeia, até a casa
do irmão dela? Um dos grandes momentos do filme, senão do cinema!
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