Dentre todos os potenciais astros surgidos com
o fenômeno de “O Senhor dos Anéis”, o membro daquele elenco que trilhou
caminhos mais inesperados e destemidos foi, sem sombra de dúvidas, o ator Viggo
Mortensen.
Ao contrário de Orlando Bloom que buscou a
imagem de galã em blockbusters como “Piratas do Caribe”, ou até mesmo Ian
McKellen que foi o Magneto em “X-Men”, Mortensen almejou um afastamento das
convenções do cinema comercial (sua colaboração de três filmes com David
Cronenberg, “Marcas da Violência”, “Senhores do Crime” e “Um Método Perigoso”,
está aí para provar isso) abraçando projetos inusitados, absolutamente
desafiadores do ponto de vista da atuação: A primorosa ficção científica “A
Estrada”; a memorável participação no faroeste “Appaloosa”; a rápida aparição
como um viciado em “Na Estrada”, de Walter Salles; o ambíguo protagonista de
“As Duas Faces de Janeiro”, e outros personagens que sempre pareciam escolhidos
com critério, refinamento e predisposição ao incomum.
Essa postura, de certa maneira, já o aproxima
bastante do protagonista de “Capitão Fantástico”, mas sua presença neste
projeto serve também para salientar e dar continuidade à essas escolhas.
Seu personagem, Ben, é um pai de família cujos
seis filhos vivem com ele isolados numa floresta afastada. Lá eles têm uma
educação diferenciada, intensa na questão da cultura literária, no aprendizado
da caça e da vida longe da civilização que seu pai define das maneiras mais
repulsivas possíveis.
A esposa de Ben e mãe das crianças, contudo,
foi hospitalizada devido à distúrbios psicológicos e não tarda a ele descobrir
que ela terminou se matando. O velório iminente, a vontade das crianças em
despedir-se da mãe, e especialmente, a intenção de Ben em cumprir o último
desejo dela (ser cremada e não enterrada) leva toda a trupe a uma imprevista
viagem através da civilização que o patriarca tanto lutou para evitar, em
direção à cidade do Novo México, onde seu sogro (o sensível Frank Langella),
pai de sua falecida esposa e um cristão ortodoxo, irá lutar contra seus métodos
e fazer o possível para tirar a guarda de seus filhos.
Alguns deles, sobretudo os dois meninos mais
velhos, já começam a perceber a doutrina a que seu pai lhes submete e o quanto
ela os afasta do conceito de realidade.
Assistir à este filme, e deliciar-se com os
desenlaces corriqueiros de sua trama faz o expectador deixar de notar as
imensas peculiaridades que sua narrativa consegue obter. Apesar dos pesares,
Ben nunca é tratado como uma espécie de vilão (nem tampouco seu sogro que o
antagoniza na segunda metade de filme), o filme nunca adquire ares polêmicos e
nem mesmo se torna excessivamente dramático ou tenso.
Há um inquestionável equilíbrio e uma
insuspeita delicadeza nessa concepção que encontra seu maior e mais abundante
trunfo no trabalho cheio de sinceros pormenores de Viggo Mortensen. Em suas mãos,
o personagem de Ben é carregado de humanidade, de discursos articulados e
genuinamente bem intencionados, mas igualmente corroído por questionamentos
íntimos, sem deixar qualquer brecha para o constrangimento –o quê, nas mãos de
um intérprete menos capaz, poderia ocorrer: Prova maior disso é que o único
momento em que o filme ameaça ficar de fato constrangedor, é numa cena onde
Viggo se acha ausente, durante uma espécie de monólogo de seu filho mais velho,
Bo (George MacKay), onde fica evidente sua alienação.
O diretor Matt Ross bebe um pouco da fonte de
Sean Penn em “Na Natureza Selvagem” ao mesmo tempo que remete à uma versão mais
suave do estranhamento de Wes Anderson.
Todas escolhas muito
particulares que compõe um filme encantador.
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