Bem antes de M. Night Shyamalan e seu “O Sexto
Sentido” transformarem em moda, lá pelo ano 2000, o artifício de apresentar uma
reviravolta surpreendente no plot –e, com o tempo isso se tornar um reflexo
convulsivo, inclusive no seu próprio cinema –este conto de desejo, engano,
perigo e subterfúgios pessoais de Neil Jordan obteve aclamação trilhando um
caminho um bocado parecido.
Uma espécie de campanha ética –em 1992 estava
longe de existir algo como a internet –orientava veículos de mídia e expectadores
que já o tivessem visto para procurar não entregar revelações acerca de sua
grande e lendária reviravolta (e isso foi respeitado, também, na cerimônia do
Oscar de onde “Traídos Pelo Desejo” saiu vitorioso na categoria de Melhor
Roteiro Original), que ocorre não exatamente no final, mas aproximadamente no
início de sua segunda metade.
Fergus (Stephen Rea, presença assídua em todos
os filmes de Neil Jordan) é um militante do IRA e, no fluxo de suas atividades,
participa do seqüestro de Jody, um soldado britânico (Forest Whitaker, num
breve participação que estipula o tom do filme). O período de cativeiro
estabelece uma relação de curiosa amizade entre o seqüestrado e o indivíduo
instruído a vigiá-lo, com a qual o diretor Neil Jordan parece deleitar-se em analisar
tal dinâmica. É justamente por isso que se torna já inesperada e abrupta a
guinada que ele não tarda a promover, arremessando a trama em outra direção,
dando-lhe outra atmosfera e outra estrutura.
E é justamente a partir desse ponto que a
sinopse de “Traídos Pelo Desejo” começa a se mostrar desafiadora para aqueles
que não desejam entregar seus lances surpreendentes: Mais até poderia ser dito,
mas à medida que sua trama avança, com a condução serena do diretor enganando o
expectador e fazendo-o crer que, na tranqüilidade de seu ritmo, ele não irá
recorrer a mais manobras chocantes, vão se somando detalhes que beiram o
inacreditável, e que operam assim até mesmo uma mudança na própria concepção
inicial do quê, de fato, o filme de Neil Jordan realmente se trata, muitos desses
detalhes por sinal envolvendo –e isso talvez seja revelar demais –a namorada do
soldado britânico, a cabeleireira Dil (Jaye Davidson).
Para além da questão
bastante pertinente do quanto Jordan sacrifica qualquer postura ideológica que
seu filme poderia assumir para, em lugar disso, entregar um espetáculo de
inesperados focos narrativos, o filme é uma demonstração e tanto de perícia e
controle insuspeito sobre a condução de uma história.
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