terça-feira, 2 de maio de 2017

Traídos Pelo Desejo

Bem antes de M. Night Shyamalan e seu “O Sexto Sentido” transformarem em moda, lá pelo ano 2000, o artifício de apresentar uma reviravolta surpreendente no plot –e, com o tempo isso se tornar um reflexo convulsivo, inclusive no seu próprio cinema –este conto de desejo, engano, perigo e subterfúgios pessoais de Neil Jordan obteve aclamação trilhando um caminho um bocado parecido.
Uma espécie de campanha ética –em 1992 estava longe de existir algo como a internet –orientava veículos de mídia e expectadores que já o tivessem visto para procurar não entregar revelações acerca de sua grande e lendária reviravolta (e isso foi respeitado, também, na cerimônia do Oscar de onde “Traídos Pelo Desejo” saiu vitorioso na categoria de Melhor Roteiro Original), que ocorre não exatamente no final, mas aproximadamente no início de sua segunda metade.
Fergus (Stephen Rea, presença assídua em todos os filmes de Neil Jordan) é um militante do IRA e, no fluxo de suas atividades, participa do seqüestro de Jody, um soldado britânico (Forest Whitaker, num breve participação que estipula o tom do filme). O período de cativeiro estabelece uma relação de curiosa amizade entre o seqüestrado e o indivíduo instruído a vigiá-lo, com a qual o diretor Neil Jordan parece deleitar-se em analisar tal dinâmica. É justamente por isso que se torna já inesperada e abrupta a guinada que ele não tarda a promover, arremessando a trama em outra direção, dando-lhe outra atmosfera e outra estrutura.
E é justamente a partir desse ponto que a sinopse de “Traídos Pelo Desejo” começa a se mostrar desafiadora para aqueles que não desejam entregar seus lances surpreendentes: Mais até poderia ser dito, mas à medida que sua trama avança, com a condução serena do diretor enganando o expectador e fazendo-o crer que, na tranqüilidade de seu ritmo, ele não irá recorrer a mais manobras chocantes, vão se somando detalhes que beiram o inacreditável, e que operam assim até mesmo uma mudança na própria concepção inicial do quê, de fato, o filme de Neil Jordan realmente se trata, muitos desses detalhes por sinal envolvendo –e isso talvez seja revelar demais –a namorada do soldado britânico, a cabeleireira Dil (Jaye Davidson).
Para além da questão bastante pertinente do quanto Jordan sacrifica qualquer postura ideológica que seu filme poderia assumir para, em lugar disso, entregar um espetáculo de inesperados focos narrativos, o filme é uma demonstração e tanto de perícia e controle insuspeito sobre a condução de uma história.

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