Muitos apontam “O Balconista” como uma obra
essencialmente Cult (e ele é!), mas é “Procura-Se Amy” a verdadeira obra-prima
do diretor-roteirista Kevin Smith.
Nela, ele depurou tudo que fez e viria a fazer
em cinema, numa narrativa que, pela primeira e talvez única vez em sua
filmografia, caminhava na direção de alguma maturidade.
Mesmo a percepção de adaptação de histórias em
quadrinhos (impressão deixada, em geral, pelo tom cartunesco das tramas e
personagens) possui uma aura diferente, lembrando menos as aventuras de
super-heróis –embora, elas ganhem generosas referências –e mais as HQs que
abordavam os meandros dos relacionamentos, como os trabalhos de Terry Moore ou,
posteriormente, de Craig Thompson.
O desenhista Holden (Ben Affleck, bastante
jovem, anterior até mesmo à sua revelação em “Gênio Indomável”) e o
arte-finalista Banky (Jason Lee, figurinha fácil nos filmes de Kevin Smith) são
melhores amigos e parceiros –moram juntos desde a juventude e fazem relativo
sucesso no mercado de quadrinhos alternativo com uma revista que escrevem e
ilustram a quase uma década. Mas, Holden apaixona-se por Alyssa (a bela Joey
Lauren Adams), extrovertida e cativante garota que ele conhece num simpósio. O
romance é obstruído pelo fato inesperado dela ser lésbica (!), ainda que, com o
tempo, Holden consiga de fato conquistar seu coração.
No entanto, o relacionamento não deixará de ter
dificuldades, estremecido pelo fato de Banky, por razões ambíguas, não tolerar
Alyssa, e pela imaturidade de Holden, tão comum a pessoas jovens envolvidas na
tentativa de relações maduras.
Realizado com extrema delicadeza e uma
combinação apurada de intimismo e sintonia com o linguajar de seu próprio
público (uma química que ele não mais conseguiu igualar), “Procura-se Amy” foi
feito por Smith, antes de qualquer coisa, como um presente para sua então
namorada, a atriz Joey Lauren Adams: E, de fato, a articulada, falante, austera
e central personagem de Alyssa coloca a atriz como centro da narrativa e não
economiza nos monólogos despojados, irreverentes e bem escritos que ela tem.
Esse cuidado com sua arquitetura dramática
influenciado pelo fascínio por sua atriz protagonista rende um filme comovente,
genuíno na maneira como expõe sentimentos inesperados que afloram na
insegurança dos relacionamentos, e absolutamente admirável pelo pudor
irrestrito com que dá voz à angústias de caráter íntimo àquela geração de
jovens dos anos 1990 a lidar com uma inesperada mudança nas dinâmicas das
relações sociais.
A obra-prima de Kevin
Smith.
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