terça-feira, 2 de maio de 2017

Procura-Se Amy

Muitos apontam “O Balconista” como uma obra essencialmente Cult (e ele é!), mas é “Procura-Se Amy” a verdadeira obra-prima do diretor-roteirista Kevin Smith.
Nela, ele depurou tudo que fez e viria a fazer em cinema, numa narrativa que, pela primeira e talvez única vez em sua filmografia, caminhava na direção de alguma maturidade.
Mesmo a percepção de adaptação de histórias em quadrinhos (impressão deixada, em geral, pelo tom cartunesco das tramas e personagens) possui uma aura diferente, lembrando menos as aventuras de super-heróis –embora, elas ganhem generosas referências –e mais as HQs que abordavam os meandros dos relacionamentos, como os trabalhos de Terry Moore ou, posteriormente, de Craig Thompson.
O desenhista Holden (Ben Affleck, bastante jovem, anterior até mesmo à sua revelação em “Gênio Indomável”) e o arte-finalista Banky (Jason Lee, figurinha fácil nos filmes de Kevin Smith) são melhores amigos e parceiros –moram juntos desde a juventude e fazem relativo sucesso no mercado de quadrinhos alternativo com uma revista que escrevem e ilustram a quase uma década. Mas, Holden apaixona-se por Alyssa (a bela Joey Lauren Adams), extrovertida e cativante garota que ele conhece num simpósio. O romance é obstruído pelo fato inesperado dela ser lésbica (!), ainda que, com o tempo, Holden consiga de fato conquistar seu coração.
No entanto, o relacionamento não deixará de ter dificuldades, estremecido pelo fato de Banky, por razões ambíguas, não tolerar Alyssa, e pela imaturidade de Holden, tão comum a pessoas jovens envolvidas na tentativa de relações maduras.
Realizado com extrema delicadeza e uma combinação apurada de intimismo e sintonia com o linguajar de seu próprio público (uma química que ele não mais conseguiu igualar), “Procura-se Amy” foi feito por Smith, antes de qualquer coisa, como um presente para sua então namorada, a atriz Joey Lauren Adams: E, de fato, a articulada, falante, austera e central personagem de Alyssa coloca a atriz como centro da narrativa e não economiza nos monólogos despojados, irreverentes e bem escritos que ela tem.
Esse cuidado com sua arquitetura dramática influenciado pelo fascínio por sua atriz protagonista rende um filme comovente, genuíno na maneira como expõe sentimentos inesperados que afloram na insegurança dos relacionamentos, e absolutamente admirável pelo pudor irrestrito com que dá voz à angústias de caráter íntimo àquela geração de jovens dos anos 1990 a lidar com uma inesperada mudança nas dinâmicas das relações sociais.
A obra-prima de Kevin Smith.

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