quarta-feira, 31 de maio de 2017

Esse Obscuro Objeto do Desejo

Por meio deste conto um tanto cruel e abusivo Buñuel parece se perguntar até que ponto o sentimento (ou, mais precisamente, o desejo) é capaz de se sobrepor à razão?
Pois, é exatamente o desejo que norteia as atitudes de Mathieu (Fernando Rey, perfeita personificação de muitas inquietações de Buñuel) transfigurado pela paixão por uma jovem, Conchita, ora interpretada por Carole Bouquet (virginal e pudica), ora interpretada por Ângela Molina (ardente e insinuante).
O fato de duas atrizes de índole e aspectos notadamente diferentes se revezarem no mesmo papel é um comentário tão direto quanto abrangente de Buñuel acerca da maneira multifacetada com que ele enxerga a dualidade no comportamento das mulheres, ou a natureza dos relacionamentos que os homens, na maioria das vezes, estabelecem com elas.
Certamente, também é um comentário a forma com que Mathieu se submete, pouco a pouco, aos caprichos dela, que vão se tornando cada vez mais vulgares e pecaminosos a medida que ele vai cedendo mais e mais a ela –a revelação do amor que o faz aceitar concessões intoleráveis se dá paralela ao descortinar da personalidade cada vez mais abusiva dela.
Vale observar também que essa crítica ao falso moralismo não foca no comportamento de Conchita como um exemplo de ordem misógina: Ao conceder à Mathieu o ponto de vista da história –que ele relata, pelo menos até os últimos dez minutos finais, à um grupo de passageiros no vagão de um trem –Buñuel também potencializa toda a subjetividade provável que os sentimentos do interlocutor podem suscitar; e não tenham dúvidas de que, também isso, faz parte de seu jogo!
No desfecho, contudo, Buñuel modifica a narrativa e mostra o filme sem as intervenções “autorais” de Mathieu, e nesses breves minutos derradeiros que se seguem, ele se mostra frio, até distanciado, o que termina explicando a forma abrupta e desconcertante com que o diretor abandona seus personagens.
Na qualidade de último trabalho de Buñuel, este é enfim um desfecho conclusivo de sua obra: Todos os ímpetos morais e sociais do ser humano parecem terminar, afinal, do objetivo pelo sexo. E Buñuel vê nessa conclusão, oportunidade para mostrar sua acidez, ainda que, do alto de seus setenta e sete anos de vida na época das filmagens, ele já se permitia ficar muito mais sereno do que em outros trabalhos onde ostentou mais contundência.

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