Por meio deste conto um tanto cruel e abusivo
Buñuel parece se perguntar até que ponto o sentimento (ou, mais precisamente, o
desejo) é capaz de se sobrepor à razão?
Pois, é exatamente o desejo que norteia as atitudes de Mathieu (Fernando Rey, perfeita personificação de muitas
inquietações de Buñuel) transfigurado pela paixão por uma jovem, Conchita, ora
interpretada por Carole Bouquet (virginal e pudica), ora interpretada por
Ângela Molina (ardente e insinuante).
O fato de duas atrizes de índole e aspectos
notadamente diferentes se revezarem no mesmo papel é um comentário tão direto
quanto abrangente de Buñuel acerca da maneira multifacetada com que ele enxerga
a dualidade no comportamento das mulheres, ou a natureza dos relacionamentos
que os homens, na maioria das vezes, estabelecem com elas.
Certamente, também é um comentário a forma com
que Mathieu se submete, pouco a pouco, aos caprichos dela, que vão se tornando
cada vez mais vulgares e pecaminosos a medida que ele vai cedendo mais e mais a
ela –a revelação do amor que o faz aceitar concessões intoleráveis se dá
paralela ao descortinar da personalidade cada vez mais abusiva dela.
Vale observar também que essa crítica ao falso
moralismo não foca no comportamento de Conchita como um exemplo de ordem
misógina: Ao conceder à Mathieu o ponto de vista da história –que ele relata,
pelo menos até os últimos dez minutos finais, à um grupo de passageiros no
vagão de um trem –Buñuel também potencializa toda a subjetividade provável que
os sentimentos do interlocutor podem suscitar; e não tenham dúvidas de que,
também isso, faz parte de seu jogo!
No desfecho, contudo, Buñuel modifica a narrativa
e mostra o filme sem as intervenções “autorais” de Mathieu, e nesses breves
minutos derradeiros que se seguem, ele se mostra frio, até distanciado, o que
termina explicando a forma abrupta e desconcertante com que o diretor abandona
seus personagens.
Na qualidade de último
trabalho de Buñuel, este é enfim um desfecho conclusivo de sua obra: Todos os
ímpetos morais e sociais do ser humano parecem terminar, afinal, do objetivo
pelo sexo. E Buñuel vê nessa conclusão, oportunidade para mostrar sua acidez, ainda
que, do alto de seus setenta e sete anos de vida na época das filmagens, ele já
se permitia ficar muito mais sereno do que em outros trabalhos onde ostentou
mais contundência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário