Antes do
Amanhecer
Ao longo de sua filmografia, uma das aspirações
do diretor Richard Linklatter era apreender em uma narrativa que unisse o lirismo
e o intimismo a passagem do tempo, e todos os seus desdobramentos dramáticos.
Uma de suas primeiras experiências nesse sentido
é o interessante “Slacker”, de 1991, enquanto que a consagração, e possível
ápice do formato que ele lograva pode talvez ter sido encontrada com
“Boyhood-Da Infância À Juventude”, lançado em 2015, mas rodado ao longo de 12
anos.
Entre esses dois projetos, Linklatter realizou
esta singela –e talvez por isso mesmo genial –trilogia, colocando em prática
essa sua percepção do tempo e das mudanças que sua passagem opera nos
sentimentos, nas relações e na maturidade com a qual enxergamos nossos
vínculos. Cada filme desta trilogia, centrada única e exclusivamente no casal
Jesse (Ethan Hawke, assíduo na obra do diretor) e Celine (a graciosa francesa
Julie Delpy), se passa com nove anos de intervalo (real!) entre um e outro.
Os atores envelhecem. Seus personagens
envelhecem. E, mais importante de tudo, o público também envelhece –embora, sem
dúvida, seja possível algum expectador de primeira viagem assistir a todos os
filmes pela primeira vez em uma oportunidade só –dando um novo viés à relação
que se estabelece entre a história contada na tela e a empatia emocional de
quem a assiste.
Neste primeiro, datado de 1993, os dois jovens
se encontram numa noite em Veneza e, durante o tempo que passam juntos se
apaixonam, compartilham planos de suas vidas futuras. Enfim, vivem um amor
fugaz, instantâneo e inconseqüente, mas puro e verdadeiro. Quando amanhece o
dia, eles prometem se reencontrar, mas num ímpeto inocente nem sequer trocam
telefones.
Um singelo romance sobre a casualidade de
relações surgidas ao acaso, e de como o amor encontra meios de se expressar no
mundo real, construído com enorme perícia e sensibilidade por Linklatter que,
ao lado do magnífico e jovem casal central, criou um dos mais apreciados filmes
dos anos 1990.
Antes do
Pôr-Do-Sol
A continuação de "Antes do
Amanhecer", passada nove anos depois do filme original –e, portanto,
lançada em 2002 –pegou muita gente de surpresa: Ninguém imaginava que
Linklatter realizaria uma seqüência para o seu filme tão cultuado. E, talvez,
nem o próprio Linklatter imaginasse: A idéia só lhe ocorreu de fato quando ele
reuniu-se com os atores Ethan Hawke e Julie Delpy para gravar uma breve cena de
sonho, onde esses personagens reapareciam, para a experimental e onírica animação
“Waking Life”.
Ainda assim, trazer de volta esses personagens
foi a melhor decisão do mundo: “Antes do Pôr-Do-Sol” é, certamente, o melhor
filme da trilogia, guardadas as comparações com o extraordinariamente encantador
primeiro filme e com a admiravelmente realista terceira parte, que ainda viria.
Desta vez em Paris, o casal do filme anterior, Jesse
e Celine, se reencontra tantos anos depois. Suas vidas em muitos aspectos
marcadas por aquele rápido momento em Veneza. Ele, agora um escritor promovendo
seu livro cuja trama trás muitas semelhanças com o encontro fortuito que
tiveram. Ela, residente na França, ex-enfermeira e agora tentando uma vida de artista
como cantora. Juntos eles redescobrem o amor que as circunstancias não
permitiram que se concretizasse.
Por meio deste segundo filme, Linklatter
conseguiu deixar mais claras suas nobres intenções como realizador: O tempo é
mostrado então como um elemento narrativamente poderoso, mais do que qualquer
artifício de montagem poderia sugerir, e as emoções que se deflagram disso são
exploradas em magníficos pormenores. Sua belíssima seqüência dialoga lindamente
com os eventos do filme anterior que surgem como lembranças ora divertidas, ora
dolorosas, e a química do casal de atores (creditados também como roteiristas)
revela-se também algo raro no cinema.
Como se não bastasse, a enxuta e emotiva obra
que ele concebe ainda trás um dos finais mais belos, inconclusos, estimulantes
e sensacionais do cinema!
Antes da
Meia-Noite
Até que os nove anos seguintes passaram rápido!
Quando menos se esperava, em 2011, lá estava um novo filme de Jesse e Celine,
com Richard Linklatter respondendo as perguntas que ficaram no ar naquele
maravilhoso desfecho do filme de 2002.
Entretanto, se a obra de Linklatter tinha por
objetivo registrar o tempo, ele também soube respeitá-lo: Cada um dos três
filmes captura as impressões de uma relação a partir da fase de vida que seus
próprios personagens vivem. E é dessa forma que descobrimos que Jesse e Celine
agora vivem juntos.
Formam um casal, desde seu reencontro em Paris
(cuja ambientação sugeria –como o segundo filme trata de ratificar –um romantismo
típico do próprio cinema francês), e tiveram duas filhinhas gêmeas, com as
quais vão passar férias na Grécia (ambientação que, agora, reitera a necessidade
de razão presente na vida de um casal que já passou quase uma década ao lado um
do outro), junto do filho mais velho de Jessé, fruto de seu casamento anterior.
A relação deles começa a apresentar o desgaste
típico provocado pelo tempo, e sua permanência como casal é preenchida por
tentativas racionais, porém nem sempre eficazes, de continuarem juntos, e amando
um ao outro.
Ao realizar a última parte
de sua trilogia romântica (será?), Linklatter fez a primordial escolha de não
mais discutir sobre a fugacidade do amor –condição mais cabível aos jovens –mas,
analisar então as fissuras cotidianas de uma relação duradoura, transpondo os
acontecimentos do romantismo de Veneza e Paris, para a racionalidade da Grécia.
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