Exemplo primordial do requinte narrativo do
diretor japonês Kenji Mizoguchi, este “Intendente Sansho” é, certamente, uma de
suas obras-primas, ainda mais assombrosamente bem construído do que seu
aclamado “Contos da Lua Vaga”.
Ao longo de sua carreira –que infelizmente
incluem produções perdidas, cuja lacuna os estudiosos de seu trabalho são assim
incapazes de preencher –Mizoguchi experimentou um estilo criterioso e muito bem
planejado de narrativa, onde as minúcias cênicas e os recursos de linguagem
empregados formavam uma espécie de esforço coletivo em prol da experiência
sensorial que agregava o filme em si.
“O Intendente Sansho”, como em muitos de seus
trabalhos, é um dilacerante drama humano a lançar um olhar terno, ainda que
desprovido de qualquer condescendência, aos personagens desafortunados. Na
trama, os dois filhos e a esposa de um governador liberal e benevolente de uma
província no Japão da antiguidade partem numa jornada para outra cidade quando
seu pai é destituído de seu cargo de nobreza.
Enganados por uma sacerdotisa corrupta, as duas
crianças, o menino Zushio e a garotinha Anju, são separados da mãe (Kinuyo
Tanaka) e vendidos como escravos no campo de trabalho do impiedoso intendente
Sansho –que, embora dê nome ao filme, é um personagem mais emblemático do que
participativo.
Os anos passam enquanto Zushio (Yoshiaki
Hanayagi) e Anju (Kyoko Kagawa) amargam a vida miserável e sofrida de escravos,
vendo a esperança de se juntarem à mãe, que tornou-se uma cortesã numa ilha
distante, cada vez mais impossível.
Zushio torna-se um homem duro e desalmado,
contrariando os ensinamentos pregados pelo pai, que desde então nunca mais
viram. Todavia, um sacrifício de Anju o recolocará no caminho para a liberdade,
para a aceitação dos conceitos de bondade e para, quem sabe, reencontrar a própria
mãe.
Doloroso ao extremo e
certamente um dos mais genuínos e pontuais registros da tristeza no cinema,
este grande filme oferece ao expectador a chance de apreciar o olhar poético de
Mizoguchi sobre percalços que lhe foram tão caros, como a cruel escravidão
japonesa, as aflições humanas dos despossuídos e a perspectiva (insatisfatória
em última instância) de que os sofrimentos inapeláveis experimentados neste
mundo fazem parte de uma vida transitória.
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