quarta-feira, 7 de junho de 2017

O Intendente Sansho

Exemplo primordial do requinte narrativo do diretor japonês Kenji Mizoguchi, este “Intendente Sansho” é, certamente, uma de suas obras-primas, ainda mais assombrosamente bem construído do que seu aclamado “Contos da Lua Vaga”.
Ao longo de sua carreira –que infelizmente incluem produções perdidas, cuja lacuna os estudiosos de seu trabalho são assim incapazes de preencher –Mizoguchi experimentou um estilo criterioso e muito bem planejado de narrativa, onde as minúcias cênicas e os recursos de linguagem empregados formavam uma espécie de esforço coletivo em prol da experiência sensorial que agregava o filme em si.
“O Intendente Sansho”, como em muitos de seus trabalhos, é um dilacerante drama humano a lançar um olhar terno, ainda que desprovido de qualquer condescendência, aos personagens desafortunados. Na trama, os dois filhos e a esposa de um governador liberal e benevolente de uma província no Japão da antiguidade partem numa jornada para outra cidade quando seu pai é destituído de seu cargo de nobreza.
Enganados por uma sacerdotisa corrupta, as duas crianças, o menino Zushio e a garotinha Anju, são separados da mãe (Kinuyo Tanaka) e vendidos como escravos no campo de trabalho do impiedoso intendente Sansho –que, embora dê nome ao filme, é um personagem mais emblemático do que participativo.
Os anos passam enquanto Zushio (Yoshiaki Hanayagi) e Anju (Kyoko Kagawa) amargam a vida miserável e sofrida de escravos, vendo a esperança de se juntarem à mãe, que tornou-se uma cortesã numa ilha distante, cada vez mais impossível.
Zushio torna-se um homem duro e desalmado, contrariando os ensinamentos pregados pelo pai, que desde então nunca mais viram. Todavia, um sacrifício de Anju o recolocará no caminho para a liberdade, para a aceitação dos conceitos de bondade e para, quem sabe, reencontrar a própria mãe.
Doloroso ao extremo e certamente um dos mais genuínos e pontuais registros da tristeza no cinema, este grande filme oferece ao expectador a chance de apreciar o olhar poético de Mizoguchi sobre percalços que lhe foram tão caros, como a cruel escravidão japonesa, as aflições humanas dos despossuídos e a perspectiva (insatisfatória em última instância) de que os sofrimentos inapeláveis experimentados neste mundo fazem parte de uma vida transitória.

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