A exemplo de “Contos da Lua Vaga”, do grande
Kenji Mizoguchi, este é também um filme atípico sobre fantasmas –eles não estão
lá a serviço de sustos corriqueiros de ordem comercial, nem tampouco obedecem às
convenções narrativa de gêneros: Este é pois um trabalho de minuciosa análise
intimista que persegue uma conclusão metafísica sem jamais impô-la ao
expectador. O poema que o diretor declama se mantém oblíquo do início ao fim,
permitindo ao público largo espaço para tramitar as opções sobre o quê (e a
respeito do quê) ele fala.
Por isso, muitos expectadores médios,
habituados ao cinema comercial, e que procuraram este filme pelo apelo de sua
atriz, torceram o nariz e até se revoltaram com o filme.
Uma reação injusta.
Procurando o que parece ser um afastamento do
cinema hollywoodiano –depois do que deve ter sido a atroz experiência nos anos
em que passou filmando “Crepúsculo” –a atriz Kristen Stewart conseguiu uma de
suas fases mais expressivas como intérprete trabalhando com o diretor Olivier
Assayas.
Nas mãos dele, ela entregou uma atuação premiada
com um inesperado prêmio César de Melhor Atriz Coadjuvante (entregue pela
primeira vez a uma americana), em “Acima das Nuvens”, de 2014. Retomando a
parceira, ela assume com serenidade e eficiência o protagonismo na história de
Maureen, uma jovem norte-americana trabalhando como personal shopper para uma
modelo famosa em Paris. Sua rotina é providenciar roupas, jóias e fazer outras
coisas frugais para ela (uma verdadeira megera) que, em sua condição de
celebridade, não pode sair às ruas para fazer.
É um trabalho que ela odeia –além de
sublinhar sua identidade, ela é proibida, nessa função, de experimentar roupas
e calçados de sua patroa, embora tenha o mesmo corpo e calce o mesmo tamanho de
sapatos que ela.
Contudo, Maureen tem uma razão para continuar
em Paris engolindo aqueles sapos: Seu irmão gêmeo, Lewis, faleceu a pouco mais
de três meses de uma anomalia cardíaca –uma angústia que, entre outras, parece
perseguí-la. E o fato de Maurren permanecer por lá, nos lugares em que ele
morou, trabalhou e viveu, é porque ela espera por algum contato dele vindo do pós-morte,
na esperança de que isso confirme as crenças que ele tinha em vida, e às quais
ela mesma não dava muito crédito, embora Maureen seja uma médium sensitiva: Ela
consegue enxergar aparições fantasmagóricas (mais eficazes e mais
amedrontadores do que qualquer fantasma digital dos filmes de Guilhermo Del
Toro) e, quando possível, compreender seu propósito.
O espírito do irmão, contudo, se é que ele está
lá, parece ser algo que lhe escapa; ela se vê perplexa na administração falha
de seu luto, quando se deixa levar por eventualidades, como um desconhecido que
lhe manda mensagens no celular –e que passa a manipulá-la graças a sua
oscilante credulidade.
Não existem conclusões fechadas em “Personal
Shopper”. Existem, sim, uma riqueza plena de detalhes intrigantes que cercam a
intrigante protagonista. Existe uma percepção apurada de Assayas a fazê-la
confrontar-se com escolhas que lhe definem seu caminho –como ele o fez em “Clean”
–assim como existe, também, um mundo sobrenatural a espiar pelas frestas e
pelas sombras (como se pode constatar na brilhante cena do copo de vidro), mas,
que nunca ganha qualquer especificação por parte de sua narrativa, tão
consciente ela é de que os mistérios ocultos da vida devem assim permanecer.
Expectadores que procurarem em “Personal
Shopper” um filme com resoluções fechadas e simplistas certamente irão se
decepcionar, em vez disso, Assayas entrega uma obra de várias facetas, onde os
sentimentos inesperados como o luto, a vaidade e a incerteza, mesclados numa
atmosfera dramática, ganham tonalidades inusitadas que não se prestam à adequação
com nenhum gênero cinematográfico.
A vida (e a morte em suas
largas indefinições) não cabe, afinal, em nenhum rótulo.
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