Remete a um sem fim de contos lúdicos, alegóricos
e fantásticos o início desta trama cujo teor surreal –e os esclarecimentos que
com certeza parte do público ficará aguardando –a narrativa jamais faz questão
de mastigar: Françoise (Mireille Saunin) e Ana (Michele Perello) são duas
amigas –ou, talvez, mais do que amigas já que, no primeiro momento de
intimidade que têm, elas tratam de fazer sexo! –em viagem por algum recôncavo
dos campos da França. O carro no qual viajam enguiça. O bar onde as duas –belas
e insinuantes –passam para pedir informações é abarrotado de homens obtuso,
imprestáveis, rudes e ineptos. E está aí, no único e breve registro de quaisquer
personagens masculinos, um dos propósitos do filme: Uma reflexão apaixonada e
talvez até tendenciosa, mas certamente válida, sobre o prisma que justapõe a
feminilidade ao julgo da misoginia.
As duas mulheres não têm outra alternativa senão
pernoitar um celeiro, quando então se segue o interlúdio sexual –o primeiro de
muitos que virão. Na manhã seguinte, contudo, Ana desaparece, e Françoise, ao
procurá-la embrenha-se na vastidão da floresta local. Como numa versão onírica
de “Alice No País das Maravilhas”, mas com poderosa influência em especial do
ponto de partida da lenda de Camelot, aparece um anão (Alfred Bailou) que a
orienta a procurá-la num castelo próximo, e para lá Françoise segue, primeiro a
pé e depois num barco que vem recepcioná-la.
O barco cruza as águas bucólicas e lúdicas de
um lago em referência total à Dama do Lago na crônica arturiana; a partir deste
ponto, as referências à lenda de Arthur e de Camelot serão onipresentes na
narrativa.
Tal castelo é regido pela Fada Morgana
(Dominique Delpierre) –ou alguém que assim se intitula –e por suas sacerdotisas
que zelam por um equilíbrio místico e a partir disso, concebem rituais de
natureza sexual, e o filme logo se converte num perambular constante por
corredores primitivos, quartos e recintos intrigantes, onde uma espécie de
seita integrada por mulheres celebra sua sexualidade com danças e orgias que
transcorrem num ritmo todo particular ao longo das cenas; o quê faz esse filme
parecer muito mais longo do que de fato é.
A nova visitante não tarda a revelar-se um elemento
desestabilizador para a hierarquia que era mantida, gerando desejo e, por conseqüência,
ciúme entre as moradoras do castelo.
O clima de estranhamento que se ergue –e que se
mantém até o fim incessantemente –é um dos grandes diferenciais deste filme, um
dos mais autênticos e incompreendidos esforços cinematográficos para recriar
uma atmosfera de sonho. A razão para essa incompreensão vem do fato de que, na
opinião de muitos, o filme (curtíssimo) abusa de cenas de nudez e sexo lésbico
em sua segunda metade.
É uma trama algo frágil cuja própria mitologia
acerca do paganismo europeu se constrói como uma pequena colcha de retalhos que
reúne elementos de Avalon, ninfas, Ilha de Lesbos e muitos outros fatores que
remetem à crenças do feminismo.
Uma mescla francamente estranha (talvez, em
razão do amadorismo de seus realizadores) de fantasia erótica com uma
infinidade de referências culturais e históricas que compõem uma síntese
peculiar sobre o poder da mulher e sua importância maior perante o ciclo da
natureza –em contraponto à insignificância dos homens –algo que as religiões em
geral buscam contrariar e sufocar em prol de um enaltecimento do patriarcado,
mas que parece encontrar reconhecimento nos preceitos do paganismo.
Seria um filme audaz,
talvez até controverso e maldito não fosse essa observação diluída numa trama
voltada para o registro constante de orgias lésbicas. Os desatentos, como é de
praxe, não entenderam nada: Ele foi rotulado de exploitation em alguns lugares,
e de fantasia de terror em outros.
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