Eis um belo exemplo do potencial, muito pouco
aproveitado, que a estrela Marilyn Monroe possuía como atriz capaz de fazer
trabalhos distintos das loiras ingênuas e insinuantes às quais ela foi, para
sempre, associada, dentro e fora das telas.
No papel da cantora Kay, ela está deslumbrante
como sempre, versátil como nunca.
Já no início do filme, ela encara com
desenvoltura dois surpreendentes números musicais, inclusive pelo fato dela ter
cantado e tocado violão em cena de verdade.
Na segunda metade do Século XIX, as regiões
entre a fronteira dos EUA e do Canadá são palco para a obstinada corrida do
ouro que atrai aventureiros e cria cidades instantâneas como essa onde ela se
encontra ganhando a vida entretendo marmanjos com suas canções.
Além de Kay, lá está também Matt Calder, o
inicialmente misterioso personagem de Robert Mitchum. Calder quer sossego e,
portanto, distância de todas as atribulações que envolve a busca por ouro, e
nisso, ele está coberto de razão: Aos poucos, a narrativa sempre charmosa e
calibrada à perfeição de ritmo de Otto Preminger (uma incrível característica
de seus filmes) irá revelar os reais motivos de Calder, assim como seu
discutível passado.
Agora um rancheiro, após uns bons anos perdidos
pagando por um crime, Calder só está nessa cidadezinha porque o filho que até
então não conhecia, Mark (o garotinho Tommy Rettig), está prestes a
encontrá-lo.
A intenção de Calder é viver na fazenda
plantando trigo, longe de confusões.
Entretanto, como cabe aos protagonistas de aventuras
nesses moldes, as confusões irão até ele: Um belo dia, nas margens do rio que
corre ao lado de sua morada, Calder e o filho salvam a jangada de Kay e de seu
namorado, Harry Weston (Rory Calhoun). O objetivo do casal era descer as
corredeiras até Council City, onde Harry reclamará a posse de uma mina de ouro.
Ao abrigar o casal em sua casa, Calder tem seu
rifle e seu cavalo roubado por Weston –que alega precisar deles para chegar o
quanto antes à Council City –e é deixado, ao lado de Kay e do próprio filho,
desprotegido de eventuais ataques de índios hostis.
Desejoso de vingança (e tão logo sua casa é
incendiada pelos nativos), Calder pega a jangada e planeja descer o rio para
encontrar Weston e vingar-se, mesmo que à tiracolo esteja levando Kay, que
ocasionalmente se desdobra em argumentos pretensamente plausíveis para defender
o namorado.
O filme de Preminger não faz muitos rodeios e
alterna sua narrativa em duas facetas distintas: Numa, ele registra com
propriedade e perícia técnica o embate dos três protagonistas contra o rio
selvagem que lhes representa um poderoso obstáculo –reza a lenda que Mitchum e
Marilyn quase se afogaram em algumas cenas devido à autenticidade exigida pelo
diretor –na outra, ele observa a dinâmica ambígua e curiosa que surge entre os
personagens: Kay é o elemento desestabilizador que perturba a harmonia recente
construída entre pai e filho (ela conhece o passado de Calder e será responsável
direto para que Mark tome conhecimento dele), ao mesmo tempo em que preenche
com encantadora naturalidade o papel de figura materna para Mark e o de
interesse amoroso para Calder (ainda que o diretor Preminger seja um bocado
econômico no que tange ao romance, por mais que a química entre Marilyn e
Mitchum seja real e imediata).
Essa objetividade na condução faz o filme
passar como uma brisa: Logo, estamos ao lado dos personagens em Council City
onde Calder almeja encontrar Weston –ainda que Preminger também não manifeste
interesse em fazer desta uma história de vingança; inerente à sua natureza como
contador de histórias é sua postura como observador moral das propensões
civilizadas do homem. Seu protagonista, Calder, se nega a agir como um homem
típico do faroeste (embora este grande filme seja um) encarando um duelo inconseqüente;
é seu próprio filho quem, em defesa do pai, fulmina Weston com um tiro.
Na seqüência final, Kay –à essa altura, já
ciente do caráter inescrupuloso de Weston e bastante afetada por Calder –se recolhe
em resignação para voltar a cantar em um bar (e aí somos brindados com um dos
mais encantadores números musicais dela, ao som da bela e melancólica “River Of
No Return”), no que aparenta ser um desfecho niilista (e até bastante
interessante) de Preminger que quase engana o expectador. Nada disso: Calder
volta nos últimos segundos do filme para arrebatar Kay da presença daqueles
bêbados e levá-la com ele.
Nem é tanto uma concessão à
um final feliz hollywoodiano, é lógica: Que homem, em sua sã consciência,
deixaria Marilyn Monroe escapar?
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