A mente de Katsuhiro Otomo e sua capacidade
ímpar para moldar histórias a um só tempo eletrizantes, filosóficas e
indicativas das ironias desastrosas da condição humana concebe, neste
compêndio, três contos narrados em estilos distintos da festejada animação
japonesa.
Magnetic Rose
Dirigido por Koji Morimoto, “Magnetic Rose” é
certamente aquele que ostenta maior esplendor visual, fruto, entre outras
coisas, da presença de Satoshi Kon no roteiro, o quê proporciona ao filme uma
abordagem carregada de propriedade entre as fronteiras nebulosas da memória, da
alucinação e da insanidade. Feito a partir de um curta-metragem de Katsuhiro
Otomo, acompanhamos um grupo de astronautas, tripulantes da espaçonave reparadora
Corona, que identificam o quê parece ser um inusitado sinal de emergência (na
forma da ópera “Madame Butterfly”!) vindo de um estranho asteróide em forma de
rosa (!).
Dois desses astronautas adentram o vácuo do
longínquo espaço sideral para identificar o chamado e sua fonte e são
desconcertados pelo que encontram lá dentro: Um local convertido numa
ambientação espantosamente terrestre que parece reproduzir a mansão onde viveu
uma cantora de ópera, regido aparentemente pelos poderes sobrenaturais do
fantasma dela. Lá, eles também reencontram as próprias memórias que deixaram
para trás (incluindo aí uma tragédia envolvendo a filha pequena de um deles), e
ali tais recordações encontram meios de se mostrarem poderosas, capazes até
mesmo de engoli-los, numa referência inquestionável à obra-prima “Solaris”, de
Tarkovski.
Stink Bomb
Narrado num tom debochado que flerta com o
cômico, “Stink Bomb”, dirigido por Tensai Okamura, guarda similaridades com a
obra-prima de Katsuhiro Otomo, “Akira”, ao apresentar a história de um funcionário
de um laboratório militar que absolutamente sem querer acaba se tornando uma
espécie de arma de destruição em massa viva (!).
O atrapalhado Nobuo Tanaka começa mais um dia
de trabalho lamentando o mal-estar de uma gripe que assola a população de sua
cidade. A vacina que toma em um posto de saúde não lhe basta e, diante de
alguns comentários lamuriosos, seus colegas sugerem que experimente o protótipo
de um remédio ainda em teste que se encontra na sala de seu superior.
Nobuo ingere umas cápsulas vermelhas em depois
adormece.
Mas, logo fica claro (pelo menos para o
expectador) a grande burrada que fez: Quando ele desperta, acaba emanando –sem
que se dê conta disso durante todo o episódio! –vapores mortais de sua pele,
absolutamente nocivos para todos os outros seres humanos próximos.
Como por telefone, um de seus chefes
supervisores em Tóquio instruiu para que levasse anotações até eles a fim de
descobrir as causas do problema –completamente ignorantes de que a fonte é o
próprio Nobuo –ele segue paciente e dedicado em direção à capital.
Sem perceber que mata todo mundo pelo caminho.
O poderio das Forças Armadas Japonesas é
incapaz de pará-lo.
Se no cultuado longa-metragem de Otomo, a saga
de Tetsuo ao transformar-se numa arma viva por meio de experiências se dá num
viés apocalíptico e sério, aqui a mesma premissa é pontuada por certa galhofa
com a qual vemos registradas as atitudes dos homens, em especial a sisudez dos
militares, a primeira linha de defesa da humanidade, que aqui se revelam
perplexos, atrapalhados e falhos.
Cannon Fodder
É o próprio Katsuhiro Otomo quem se encarrega
da direção do último conto, o curioso “Cannon Fodder” construído num estilo que
parece divergir propositadamente dos demais, e amparado numa trama tão
intrigante quanto potencialmente alegórica: Uma cidade e sua população vivem em
torno de uma arma, um grande canhão, que jamais deve parar de atirar.
Todo o funcionamento da cidade, seja ele
social, industrial ou histórico, visa orbitar em torno do canhão cujos disparos
nunca cessam. A trama gira basicamente em torno de um humilde cidadão,
funcionário das engrenagens do canhão, cujas atitudes somadas levarão a uma
falha na sucessão de tiros da arma, e por conseqüência à sua penalidade –Otomo,
sempre atento à importância dos personagens infantis dá também atenção ao
personagem do filho do funcionário, um garotinho orgulhoso da atividade de seu
pai, e empolgado com a natureza bélica do local onde vive.
Ironicamente, a própria população já não tem
memória do quê exatamente eles alvejam com os tiros de sua grande arma.
Um exercício de imaginação de Otomo onde ele
vislumbra uma realidade alternativa: Em termos cronológicos, “Cannon Fodder” se
passaria em meio à Revolução Industrial (uma das obsessões de Otomo empregada
também na premissa de “Steamboy”).
Um detalhe bastante notável de “Cannon Fodder”
é a maneira com que a animação de Otomo simula um único take de câmera que
transcorre sem uma montagem que salta de um quadro a outro praticamente do início
ao fim deste segmento.
Pena que seu ritmo –algo
pausado e sem empuxo, talvez, fascinado com a própria técnica –o torne o menos
interessante dos três.
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