domingo, 10 de setembro de 2017

Memories de Katsuhiro Otomo

A mente de Katsuhiro Otomo e sua capacidade ímpar para moldar histórias a um só tempo eletrizantes, filosóficas e indicativas das ironias desastrosas da condição humana concebe, neste compêndio, três contos narrados em estilos distintos da festejada animação japonesa.

Magnetic Rose
Dirigido por Koji Morimoto, “Magnetic Rose” é certamente aquele que ostenta maior esplendor visual, fruto, entre outras coisas, da presença de Satoshi Kon no roteiro, o quê proporciona ao filme uma abordagem carregada de propriedade entre as fronteiras nebulosas da memória, da alucinação e da insanidade. Feito a partir de um curta-metragem de Katsuhiro Otomo, acompanhamos um grupo de astronautas, tripulantes da espaçonave reparadora Corona, que identificam o quê parece ser um inusitado sinal de emergência (na forma da ópera “Madame Butterfly”!) vindo de um estranho asteróide em forma de rosa (!).
Dois desses astronautas adentram o vácuo do longínquo espaço sideral para identificar o chamado e sua fonte e são desconcertados pelo que encontram lá dentro: Um local convertido numa ambientação espantosamente terrestre que parece reproduzir a mansão onde viveu uma cantora de ópera, regido aparentemente pelos poderes sobrenaturais do fantasma dela. Lá, eles também reencontram as próprias memórias que deixaram para trás (incluindo aí uma tragédia envolvendo a filha pequena de um deles), e ali tais recordações encontram meios de se mostrarem poderosas, capazes até mesmo de engoli-los, numa referência inquestionável à obra-prima “Solaris”, de Tarkovski.

Stink Bomb
Narrado num tom debochado que flerta com o cômico, “Stink Bomb”, dirigido por Tensai Okamura, guarda similaridades com a obra-prima de Katsuhiro Otomo, “Akira”, ao apresentar a história de um funcionário de um laboratório militar que absolutamente sem querer acaba se tornando uma espécie de arma de destruição em massa viva (!).
O atrapalhado Nobuo Tanaka começa mais um dia de trabalho lamentando o mal-estar de uma gripe que assola a população de sua cidade. A vacina que toma em um posto de saúde não lhe basta e, diante de alguns comentários lamuriosos, seus colegas sugerem que experimente o protótipo de um remédio ainda em teste que se encontra na sala de seu superior.
Nobuo ingere umas cápsulas vermelhas em depois adormece.
Mas, logo fica claro (pelo menos para o expectador) a grande burrada que fez: Quando ele desperta, acaba emanando –sem que se dê conta disso durante todo o episódio! –vapores mortais de sua pele, absolutamente nocivos para todos os outros seres humanos próximos.
Como por telefone, um de seus chefes supervisores em Tóquio instruiu para que levasse anotações até eles a fim de descobrir as causas do problema –completamente ignorantes de que a fonte é o próprio Nobuo –ele segue paciente e dedicado em direção à capital.
Sem perceber que mata todo mundo pelo caminho.
O poderio das Forças Armadas Japonesas é incapaz de pará-lo.
Se no cultuado longa-metragem de Otomo, a saga de Tetsuo ao transformar-se numa arma viva por meio de experiências se dá num viés apocalíptico e sério, aqui a mesma premissa é pontuada por certa galhofa com a qual vemos registradas as atitudes dos homens, em especial a sisudez dos militares, a primeira linha de defesa da humanidade, que aqui se revelam perplexos, atrapalhados e falhos.

Cannon Fodder
É o próprio Katsuhiro Otomo quem se encarrega da direção do último conto, o curioso “Cannon Fodder” construído num estilo que parece divergir propositadamente dos demais, e amparado numa trama tão intrigante quanto potencialmente alegórica: Uma cidade e sua população vivem em torno de uma arma, um grande canhão, que jamais deve parar de atirar.
Todo o funcionamento da cidade, seja ele social, industrial ou histórico, visa orbitar em torno do canhão cujos disparos nunca cessam. A trama gira basicamente em torno de um humilde cidadão, funcionário das engrenagens do canhão, cujas atitudes somadas levarão a uma falha na sucessão de tiros da arma, e por conseqüência à sua penalidade –Otomo, sempre atento à importância dos personagens infantis dá também atenção ao personagem do filho do funcionário, um garotinho orgulhoso da atividade de seu pai, e empolgado com a natureza bélica do local onde vive.
Ironicamente, a própria população já não tem memória do quê exatamente eles alvejam com os tiros de sua grande arma.
Um exercício de imaginação de Otomo onde ele vislumbra uma realidade alternativa: Em termos cronológicos, “Cannon Fodder” se passaria em meio à Revolução Industrial (uma das obsessões de Otomo empregada também na premissa de “Steamboy”).
Um detalhe bastante notável de “Cannon Fodder” é a maneira com que a animação de Otomo simula um único take de câmera que transcorre sem uma montagem que salta de um quadro a outro praticamente do início ao fim deste segmento.
Pena que seu ritmo –algo pausado e sem empuxo, talvez, fascinado com a própria técnica –o torne o menos interessante dos três.

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