O cinema de J.C. Chandlor propositadamente não
se revela um cinema fácil. Os poucos, mas incisivamente relevantes títulos de
sua filmografia são esforços talentosos e implacáveis de radiografar, em suas
tintas mais antropológicas, os lampejos selvagens do homem civilizado quando
confrontado com uma situação à beira do desespero.
Nesse contexto, “Margin Call”, o filme que o
revelou, é o mais perfeito exemplo dessa postura.
Seus personagens transitam num mundo asséptico,
frio, quase mecânico e, dentro desses parâmetros de impressão, supostamente
imutável. É isso, contudo, que a premissa, tão interessante ao seu diretor,
revelará que eles perderão.
É um firma de corretores de Manhatan, e os
executivos engravatados disputam entre si pela supremacia profissional. São
meados de 2008 e, como sabe o expectador bem informado, é iminente a quebra na
bolsa de valores que chacoalhou o sistema econômico mundial.
Os personagens que integram a fauna de “Margin
Call”, entretanto, ainda não sabem disso. Ou melhor: A maior parte deles ainda
não sabe; executivo júnior, dos muitos pressionados a demonstrar capacidade e
eficiência em seu trabalho, Peter Sullivan (o ótimo Zachary Quinto, o Spok da
nova versão de “Star Trek”), descobre, durante um extra no expediente, que
alguns números nas estatísticas apontam algo incomum. Ou eles estão
improvavelmente errados, ou eles sinalizam uma catástrofe em andamento. Algo
que, por enquanto, só foi percebido por acaso: Em 24 horas, as ações imobiliárias
que no dia anterior tinham preço elevado não terão valor algum. É madrugada,
faltam algumas horas para o dia começar e, portanto, para que se inicie a
jornada profissional em meio à qual todo o resto do mundo descobrirá aquilo que
Sullivan antecipou.
Uma vantagem terrível da
qual o executivo sênior Sam Rogers (o grande Kevin Spacey) tem lá seus
escrúpulos em tirar proveito. Mas, não o executivo de alto escalão John Tuld
(Jeremy Irons, brilhante e ameaçador), para ele a utilidade de tal dádiva é
bastante clara: Os corretores têm cerca de oito horas para se desfazer das
ações antes que a bolha na economia estoure. Em resumo, eles irão vendar os
próprios olhos para o prejuízo alheio e garantir que escapem incólume à
catástrofe, agindo como os predadores que são; se essa catástrofe é uma força irreprimível da natureza, então, eles irão se valer dos recursos que lhe caem a mão para sobreviver da única forma que a escola da vida, e o sistema capitalista lhes mostrou possível: A seleção natural.É pois como uma grande, circunspecta e impiedosa análise comportamental e antropológica que o grande filme de Chandlor então se sustenta.
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