sábado, 9 de setembro de 2017

Margin Call - O Dia Antes do Fim

O cinema de J.C. Chandlor propositadamente não se revela um cinema fácil. Os poucos, mas incisivamente relevantes títulos de sua filmografia são esforços talentosos e implacáveis de radiografar, em suas tintas mais antropológicas, os lampejos selvagens do homem civilizado quando confrontado com uma situação à beira do desespero.
Nesse contexto, “Margin Call”, o filme que o revelou, é o mais perfeito exemplo dessa postura.
Seus personagens transitam num mundo asséptico, frio, quase mecânico e, dentro desses parâmetros de impressão, supostamente imutável. É isso, contudo, que a premissa, tão interessante ao seu diretor, revelará que eles perderão.
É um firma de corretores de Manhatan, e os executivos engravatados disputam entre si pela supremacia profissional. São meados de 2008 e, como sabe o expectador bem informado, é iminente a quebra na bolsa de valores que chacoalhou o sistema econômico mundial.
Os personagens que integram a fauna de “Margin Call”, entretanto, ainda não sabem disso. Ou melhor: A maior parte deles ainda não sabe; executivo júnior, dos muitos pressionados a demonstrar capacidade e eficiência em seu trabalho, Peter Sullivan (o ótimo Zachary Quinto, o Spok da nova versão de “Star Trek”), descobre, durante um extra no expediente, que alguns números nas estatísticas apontam algo incomum. Ou eles estão improvavelmente errados, ou eles sinalizam uma catástrofe em andamento. Algo que, por enquanto, só foi percebido por acaso: Em 24 horas, as ações imobiliárias que no dia anterior tinham preço elevado não terão valor algum. É madrugada, faltam algumas horas para o dia começar e, portanto, para que se inicie a jornada profissional em meio à qual todo o resto do mundo descobrirá aquilo que Sullivan antecipou.
Uma vantagem terrível da qual o executivo sênior Sam Rogers (o grande Kevin Spacey) tem lá seus escrúpulos em tirar proveito. Mas, não o executivo de alto escalão John Tuld (Jeremy Irons, brilhante e ameaçador), para ele a utilidade de tal dádiva é bastante clara: Os corretores têm cerca de oito horas para se desfazer das ações antes que a bolha na economia estoure. Em resumo, eles irão vendar os próprios olhos para o prejuízo alheio e garantir que escapem incólume à catástrofe, agindo como os predadores que são; se essa catástrofe é uma força irreprimível da natureza, então, eles irão se valer dos recursos que lhe caem a mão para sobreviver da única forma que a escola da vida, e o sistema capitalista lhes mostrou possível: A seleção natural.
É pois como uma grande, circunspecta e impiedosa análise comportamental e antropológica que o grande filme de Chandlor então se sustenta.

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