segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Kwaidan - As Quatro Faces do Medo

Um dos filmes seminais de terror já concebidos no cinema –e referência para inúmeras produções comerciais do gênero, como veremos mais a frente –esta magnífica obra de Masaki Kobaiashi vai, ironicamente, na contramão da produção industrial do filão ao ostentar um ritmo propositadamente lento e uma vibração sonora que prima por um silêncio opressivo.
A função desse fluxo contido, porém, não tarda a ficar bem clara: Quando o expectador menos espera, a narrativa já o envolveu e o amedrontou sem lançar mão de obviedades explícitas como sustos bruscos e fáceis –o medo, na impecável concepção de Kobaiashi é um fruto aflitivo da imersão gradualmente do indivíduo (o expectador) no contexto lúgubre do pesadelo de seus personagens, e ele segue tal definição ao pé da letra nas quatro sufocantes e primorosas histórias de fantasmas que relata aqui.
1ª História, “Cabelos Negros”: Inconformado com a pobreza, samurai abandona a esposa para casar-se com a filha mimada de um senhor feudal.
Os anos passam, enfatizando a infelicidade de seu casamento e as saudades do casamento anterior, até que, findo seu compromisso como samurai, ele resolve regressar e reencontrar a antiga esposa.
O quê o aguarda, porém, é uma terrível surpresa.
Este episódio faz lembrar a premissa de “Contosda Lua Vaga”, de Kenji Mizoguchi, porém com conotações muito mais macabras.
2ª História, “A Mulher da Neve”: Dois camponeses, um jovem e um ancião, que atravessam uma severa nevasca são confrontados com uma espécie de entidade assombrosa do inverno. O velho logo sucumbe, mas o rapaz é poupado sob a condição de que não conte nada a ninguém (tão inspirada e dramaticamente inventiva é esta premissa que ela foi adotada –e americanizada –em uma das histórias de “Contos da Escuridão-O Filme”, lançado em 1990).
3ª História, “Hoichi, O Homem Sem Orelhas”: Incauto tocador de biwa de um templo, o cego Hoichi, ludibriado, acaba sendo levado a cantar todas as noites para uma comitiva de mortos, fantasmas guerreiros que há séculos atrás perderam suas vidas nas praias locais.
Os sacerdotes preparam um ritual para desvencilhá-lo dos mortos, mas o descuido com um detalhe será o suplício de Hoichi (a idéia da maquiagem composta por ideogramas japoneses que cobrem o rosto do protagonista foi aproveitada, reconhecidamente, no filme “Conan-OBárbaro", de 1982, com Arnold Schwarzenegger).
4ª e Última História, “Uma Xícara de Chá”: Um conto inacabado –e por isso mesmo propositadamente instigante –que remete à Antiguidade onde, ao enxergar a imagem de um fantasma refletida numa xícara de chá, um samurai não consegue se livrar da presença do homem morto com quem tem algumas pendências não resolvidas.

Uma obra tão poderosa em seu vigor narrativo quanto influente em sua convicção conceitual, “Kwaidan” é um raríssimo caso de filme de terror agraciado com a Palma de Ouro em Cannes. Um reconhecimento e tanto para um filme singular em sua excelência.

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