Um dos filmes seminais de terror já concebidos
no cinema –e referência para inúmeras produções comerciais do gênero, como
veremos mais a frente –esta magnífica obra de Masaki Kobaiashi vai,
ironicamente, na contramão da produção industrial do filão ao ostentar um ritmo
propositadamente lento e uma vibração sonora que prima por um silêncio
opressivo.
A função desse fluxo contido, porém, não tarda
a ficar bem clara: Quando o expectador menos espera, a narrativa já o envolveu
e o amedrontou sem lançar mão de obviedades explícitas como sustos bruscos e
fáceis –o medo, na impecável concepção de Kobaiashi é um fruto aflitivo da
imersão gradualmente do indivíduo (o expectador) no contexto lúgubre do
pesadelo de seus personagens, e ele segue tal definição ao pé da letra nas
quatro sufocantes e primorosas histórias de fantasmas que relata aqui.
1ª História, “Cabelos Negros”: Inconformado com
a pobreza, samurai abandona a esposa para casar-se com a filha mimada de um
senhor feudal.
Os anos passam, enfatizando a infelicidade de
seu casamento e as saudades do casamento anterior, até que, findo seu
compromisso como samurai, ele resolve regressar e reencontrar a antiga esposa.
O quê o aguarda, porém, é uma terrível
surpresa.
Este episódio faz lembrar a premissa de “Contosda Lua Vaga”, de Kenji Mizoguchi, porém com conotações muito mais macabras.
2ª História, “A Mulher da Neve”: Dois
camponeses, um jovem e um ancião, que atravessam uma severa nevasca são
confrontados com uma espécie de entidade assombrosa do inverno. O velho logo
sucumbe, mas o rapaz é poupado sob a condição de que não conte nada a ninguém
(tão inspirada e dramaticamente inventiva é esta premissa que ela foi adotada
–e americanizada –em uma das histórias de “Contos da Escuridão-O Filme”,
lançado em 1990).
3ª História, “Hoichi, O Homem Sem Orelhas”:
Incauto tocador de biwa de um templo, o cego Hoichi, ludibriado, acaba sendo
levado a cantar todas as noites para uma comitiva de mortos, fantasmas
guerreiros que há séculos atrás perderam suas vidas nas praias locais.
Os sacerdotes preparam um ritual para
desvencilhá-lo dos mortos, mas o descuido com um detalhe será o suplício de
Hoichi (a idéia da maquiagem composta por ideogramas japoneses que cobrem o
rosto do protagonista foi aproveitada, reconhecidamente, no filme “Conan-OBárbaro", de 1982, com Arnold Schwarzenegger).
4ª e Última História, “Uma Xícara de Chá”: Um
conto inacabado –e por isso mesmo propositadamente instigante –que remete à
Antiguidade onde, ao enxergar a imagem de um fantasma refletida numa xícara de
chá, um samurai não consegue se livrar da presença do homem morto com quem tem
algumas pendências não resolvidas.
Uma obra tão poderosa em seu vigor narrativo
quanto influente em sua convicção conceitual, “Kwaidan” é um raríssimo caso de
filme de terror agraciado com a Palma de Ouro em Cannes. Um reconhecimento e
tanto para um filme singular em sua excelência.
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