Em meados de 1969, o diretor italiano Mario
Bava andava precisando de dinheiro –o reconhecimento como grande esteta do
terror europeu só veio décadas mais tarde –e isso o colocava numa situação em
que filmava o material que aparecesse, mesmo que o baixo nível de qualidade não
o agradasse. Foi o caso deste roteiro inspirado, muito por alto, na obra “O
Caso dos Dez Negrinhos”, de Agatha Christie. A reação inicial de Bava teria
sido a de recusar o projeto, mas a necessidade levou-o a encarar a produção –ou
melhor, a filmagem, já que a pré-produção propriamente dita (fase à qual Bava
sempre gostou muito de dedicar enorme cuidado e atenção) já tinha sido
realizada pelos produtores: Como a escolha do elenco (muitos atores o diretor
conheceu no set de filmagens!), que incluía a deliciosa Edwige Fenech, cuja
beleza e sensualidade este filme parece feito sob encomenda para explorar; a
escolha da locação (uma ilha que o diretor de fotografia se esforça para tornar
visualmente paradisíaca); e o tratamento do roteiro (que, a julgar pelo que se
vê aqui, agradou o gosto pouco exigente dos produtores).
É curioso como –embora haja um abismo
qualitativo entre os dois –existam momentos semelhantes na trajetória
artística, portanto, de Mario Bava e do espanhol Jess Franco: Ambos tiveram que
encarar projetos iniciados à sua revelia por pura falta de grana. O espanhol
Jess Franco é sempre visto assim como um reflexo trash e picareta de Mario
Bava.
Mas, no caso deste ‘giallo’, em especial, a
situação lembra muito as condições enfrentadas por Franco –e, num caso ainda
mais distinto, as circunstâncias do cultuado realizador japonês, Seijun Suzuki,
quando filmava para os estúdios da Nikkatsu.
O quê Bava fez? Ciente da obra culturalmente
questionável que lhe empurravam, ele usou os recursos que tinha a mão para
conceber uma espécie de subversão do próprio ‘giallo’, o subgênero cujas
diretrizes o próprio Bava já tinha começado a estabelecer. Ele se vale, por
exemplo da música cadenciada de Piero Umiliani, um jazz sussurrante e
minimalista, para estabelecer uma série de ritmos de cena que variam a medida
que a música se permite transformar –e o jazz, como se sabe, é feito de um
improviso que leva a inesperadas variações.
Já começa assim, portanto –numa abordagem que
parece não remeter ao que se espera de Bava –esta trama, toda ela localizada
numa ilha distante, ao que tudo indica de propriedade do milionário George
(Teodoro Corrá). Ele e seus convidados desfrutam de um fim de semana não
necessariamente destituído de tensão: Entre os hóspedes está Farrell (William
Berger), cientista criador de uma fórmula que promete chacoalhar o mercado
mundial. George e Nick (Maurice Poli) querem lhe comprar tal fórmula, e parecem
dispostos a não poupar despesas (ou escrúpulos), embora Farrell demonstre uma
excessivamente ingênua inclinação ao altruísmo e não vendê-la a ninguém. Além
destes, há Marie (Edwige Fenech, insinuante e sexy), a esposa adúltera de Nick,
e o casal Jack (Howard Ross) e Peggy (Helena Ronee), além das esposas de George
(Edith Meloni) e de Farrell (Ira Von Furstenberg).
Ah, sim, estava me esquecendo! Também temos o
empregado da casa e piloto da lancha Charles (Mauro Bosco), o primeiro a morrer
(!), e a jovem Isabel (Ely Galleani, de “Baba Yaga”) que nunca fica claro qual
exatamente é sua relação com o lugar ou os outros personagens visto que sempre
esquecem dela e é toda hora vista pelos cantos como se estivesse a esconder-se.
Circo armado e, um a um, (começando por Charles),
esses personagens todos começam a morrer. Há um assassino entre eles e, até a
chegada da guarda costeira, eles têm de descobrir quem é antes que terminem
todos mortos –e providencialmente guardados dentro da geladeira como ocorre com
todos os cadáveres (!).
Nos aspectos que se percebe, “Cinco Bonecas
Para Lua de Agosto” (título nonsense que faz referência à chegada do homem à
lua ocorrida naquele ano, 1969) soa mais como uma paródia involuntária dos
eventuais furos homéricos de costumam assolar o ‘giallo’, mas de fato são
escolhas deliberadas de Bava o fato de que as mortes não são nunca mostradas
–numa forma de regredir ao suspense sem artimanhas gráficas, ainda que macabro,
executado pelo grande ídolo de Bava, o mestre Alfred Hitchcock –embora o
desleixo da produção não permita dizer muito o que o diretor queria.
Percebe-se, aqui e ali, uma composição de capricho desigual, própria de Bava (o
azul predominante na cena da primeira morte, por exemplo), mas elas são
miudezas a se procurar em um todo imperfeito.
Seja no humor que brota sem
querer dos absurdos da trama, seja na oscilante criatividade visual de Bava
–que aqui não encontra liberdade plena –este trabalho menor só consegue agradar
a fãs incondicionais: E o próprio Bava, em declarações, não parece se incluir
entre eles.
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