quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Encaixotando Helena

A estréia na direção de Jennifer Chambers Lynch, filha de David Lynch, trouxe a ela uma estranha expectativa de que, como cineasta, ela herdasse o gosto pelo bizarro e pelo surreal que caracterizava o estilo de seu pai.
De certa maneira, ela até tentou corresponder a essa impressão.
Em “Encaixotando Helena”, o quê se tem é uma história de amor transfigurada pelas circunstâncias bizarras que dão margem à perversão (Kim Basinger até já havia fechado acordo para participar do filme quando se deu conta do material francamente controverso com o qual iria se envolver e desistiu do projeto): Torturado por lembranças de infância que sugerem um possível incesto cometido com sua mãe (!), o médico Nick (Julian Sands, ator que oscilou entre ótimos trabalhos e produções vergonhosas) a despeito de estar envolvido com Anne (Betsy Clark) se mostra obcecado pela bela Helena (Sherilyn Fenn, de “Twins Peaks”, estreitando as comparações entre Jennifer e seu pai) uma espécie de acompanhante de luxo que, beneficiada por sua grande beleza e por tudo que ela lhe proporciona, o ignora completamente. Isso quando não o repudia sem qualquer hesitação!
Entretanto, numa noite específica, quando Helena parece disposta a dizer basta e procura Nick para lhe expressar com mais veemência seu desprezo, um acidente acontece –um carro inadvertidamente a atropela.
E um corte drástico arremata essa cena de forma elíptica sem que mais detalhes gráficos pudessem ser explorados (algo que certamente David faria).
Nos dias que seguem descobrimos que Helena sobreviveu, e que Nick, única testemunha do acidente a levou para sua casa onde precisou (ou convenceu a si mesmo que precisava) amputar as pernas de Helena (!), confinando-a a uma cadeira de rodas.
A relação se mostra tensa e recriminatória, especialmente porque Helena, afligida pela angústia de sua nova condição se ressente ainda mais com Nick, mesmo que ele se declare apaixonado por ela a todo o momento.
Logo, o comportamento selvagem de Helena o leva a tomar uma medida drástica: Amputa também os braços dela (!), confinando-a em uma caixa como uma boneca!
Diante da inevitabilidade de seu convívio, e de uma gradual transformação nos sentimentos de Helena quando o filme já chega em sua segunda parte, ela e Nick desenvolvem uma relação doentia que mistura resignação e dependência com amor e atração física. Mas, isso tudo pode ser interrompido, pois existem pessoas que ainda procuram pela desaparecida Helena, como seu displicente e superficial amante (vivido por Bill Paxton).
Jennifer Chambers Lynch buscou fazer um filme similar ao que se espera de seu pai na premissa básica (e a trama realmente se principia em elementos francamente desconcertantes), mas não manteve tal decisão em seu formato: Narrativamente falando, o filme é tímido, ginasiano até, com cenas de sexo que por pouco não descambam para o registro brega do soft-porn que proliferou naqueles mesmos anos 1990, longe da audácia onírica e aflitiva que David Lynch compõe com tanta naturalidade.
Em algum momento, Jennifer se dá conta disso e sente a pressão: Seus personagens não ocupam com tranqüilidade nem com convicção o cenário no qual estão inseridos na maior parte do tempo, uma mansão de paredes e ornamentos saídos da publicidade –parecem, na verdade, esgueirar-se pelos cantos, como se existisse ali outro acontecimento ocorrendo, e dele e de seus envolvidos tentam passar despercebidos.
Talvez, o aspecto mais frustrante de “Encaixotando Helena” mesmo seja o fato de que o filme sugere uma transgressão na maneira com que irá expor a situação ilustrada na premissa desde os cartazes do filme, e termina não indo em direção nenhuma: Seu desfecho banaliza toda a trama que se construiu até então na intenção apenas de ratificar seu elemento insólito.

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