A estréia na direção de Jennifer Chambers
Lynch, filha de David Lynch, trouxe a ela uma estranha expectativa de que, como
cineasta, ela herdasse o gosto pelo bizarro e pelo surreal que caracterizava o
estilo de seu pai.
De certa maneira, ela até tentou corresponder a
essa impressão.
Em “Encaixotando Helena”, o quê se tem é uma
história de amor transfigurada pelas circunstâncias bizarras que dão margem à
perversão (Kim Basinger até já havia fechado acordo para participar do filme
quando se deu conta do material francamente controverso com o qual iria se
envolver e desistiu do projeto): Torturado por lembranças de infância que
sugerem um possível incesto cometido com sua mãe (!), o médico Nick (Julian
Sands, ator que oscilou entre ótimos trabalhos e produções vergonhosas) a
despeito de estar envolvido com Anne (Betsy Clark) se mostra obcecado pela bela
Helena (Sherilyn Fenn, de “Twins Peaks”, estreitando as comparações entre
Jennifer e seu pai) uma espécie de acompanhante de luxo que, beneficiada por
sua grande beleza e por tudo que ela lhe proporciona, o ignora completamente.
Isso quando não o repudia sem qualquer hesitação!
Entretanto, numa noite específica, quando
Helena parece disposta a dizer basta e procura Nick para lhe expressar com mais
veemência seu desprezo, um acidente acontece –um carro inadvertidamente a
atropela.
E um corte drástico arremata essa cena de forma
elíptica sem que mais detalhes gráficos pudessem ser explorados (algo que
certamente David faria).
Nos dias que seguem descobrimos que Helena
sobreviveu, e que Nick, única testemunha do acidente a levou para sua casa onde
precisou (ou convenceu a si mesmo que precisava) amputar as pernas de Helena
(!), confinando-a a uma cadeira de rodas.
A relação se mostra tensa e recriminatória,
especialmente porque Helena, afligida pela angústia de sua nova condição se
ressente ainda mais com Nick, mesmo que ele se declare apaixonado por ela a
todo o momento.
Logo, o comportamento selvagem de Helena o leva
a tomar uma medida drástica: Amputa também os braços dela (!), confinando-a em
uma caixa como uma boneca!
Diante da inevitabilidade de seu convívio, e de
uma gradual transformação nos sentimentos de Helena quando o filme já chega em
sua segunda parte, ela e Nick desenvolvem uma relação doentia que mistura
resignação e dependência com amor e atração física. Mas, isso tudo pode ser
interrompido, pois existem pessoas que ainda procuram pela desaparecida Helena,
como seu displicente e superficial amante (vivido por Bill Paxton).
Jennifer Chambers Lynch buscou fazer um filme
similar ao que se espera de seu pai na premissa básica (e a trama realmente se
principia em elementos francamente desconcertantes), mas não manteve tal
decisão em seu formato: Narrativamente falando, o filme é tímido, ginasiano
até, com cenas de sexo que por pouco não descambam para o registro brega do
soft-porn que proliferou naqueles mesmos anos 1990, longe da audácia onírica e
aflitiva que David Lynch compõe com tanta naturalidade.
Em algum momento, Jennifer se dá conta disso e
sente a pressão: Seus personagens não ocupam com tranqüilidade nem com
convicção o cenário no qual estão inseridos na maior parte do tempo, uma mansão
de paredes e ornamentos saídos da publicidade –parecem, na verdade,
esgueirar-se pelos cantos, como se existisse ali outro acontecimento ocorrendo,
e dele e de seus envolvidos tentam passar despercebidos.
Talvez, o aspecto mais
frustrante de “Encaixotando Helena” mesmo seja o fato de que o filme sugere uma
transgressão na maneira com que irá expor a situação ilustrada na premissa desde
os cartazes do filme, e termina não indo em direção nenhuma: Seu desfecho
banaliza toda a trama que se construiu até então na intenção apenas de ratificar
seu elemento insólito.
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