quinta-feira, 8 de março de 2018

Detroit Em Rebelião

Na esteira das duas últimas grandes obras da diretora Kathryn Bigelow, “Guerra Ao Terror” e “A Hora Mais Escura” (todos eles realizados em colaboração com o roteirista Mark Boal), este “Detroit Em Rebelião” esteve por muito tempo cotado para integrar as lista dos filmes indicados ao Oscar 2018, o quê, sabe-se, não aconteceu, provavelmente em face da produção ser uma obra de extremo teor alarmante, algo que pode ter saturado público e crítica ao longo de um 2017 tão pontuado por discursos de denúncia e em prol da diversidade.
O filme vem envolto na habilidade insuspeita que sua diretora tem de deixar os nervos do expectador à flor da pele.
Não poderia ser diferente.
O ano é 1967, auge da luta pelos direitos civis. O lugar é a zona oeste de Detroit, local segregado de bairros predominantemente negros onde o policiamento encontra constante conflito com a população indignada.
A narrativa de Bigelow começa seu filme de forma abrangente, oferecendo ao expectador informações de sobra para que ele se contextualize, se ambiente e compreenda o barril de pólvora no qual os conflitos raciais transformaram a cidade.
A diretora recorre a quase uma hora de filme para passear em situações breves, porém, pertinentes, oscilando entre personagens, criando um panorama amplo.
Aos poucos, contudo, ela vai se concentrar em alguns personagens específicos: O policial racista Krauss (Will Pouter, de “O Regresso” e “Maze Runner-Correr Ou Morrer”) que freqüentemente perde o controle e a razão na execução de seu dever; o trabalhador negro Dismukes (John Boyega, de “Star Wars-O Despertar da Força”) que acumula dois empregos, um dos quais vigia noturno de uma loja; os dois amigos Fred (Jacob Latimore, também de “Maze Runner”) e Larry Cleveland (Algee Smith) que sonham com o sucesso de um grupo musical do qual fazem parte.
Estes personagens têm sua trajetória entremeada quando o filme já quase chega ao seu segundo terço, quando a diretora Bigelow enfim começa a elucidar o fato real que aqui se dispôs a reconstituir: Reunidos no motel Algiers, ao lado de outras pessoas (como o ex-combatente do Vietnam interpretado por Anthony Mackie, e duas jovens brancas de Ohio), Fred e Larry estão entre os presentes imediatamente abordados pela polícia –entre os quais o oficial Krauss, um grupo de soldados da Guarda Nacional e mais o próprio Dismukes.
Ouviram-se tiros lá fora –na realidade, uma brincadeira de um dos rapazes com uma arma de espoleta –e todos invadiram o motel dispostos a obter a confissão de um sniper a qualquer custo.
Liderados pelo inconstante Krauss, os policiais e os soldados exercem uma pressão psicológica insuportável entre os suspeitos e logo, diante da frustração de não haver provas concretas que viessem embasar seu ato violento, começam a oferecer perigo real à vida de todos eles.
Como fez especialmente em “A Hora Mais Escura”, o roteiro de Mark Boal pega um evento real nebuloso e preenche suas lacunas com a liberdade proporcionada pela ficção, mas impelida por uma sensibilidade emocional e uma austeridade factual que tornam quase inquestionável a precisão de seu relato.
Nada no filme esconde a analogia que a trama e suas circunstâncias estabelecem com outro lamentável evento da história americana (e intrinsecamente ligado à filmografia de Bigelow): A invasão militar promovida por George Bush ao Iraque sob alegações de que haveriam armas de destruição em massa.
O roteiro coeso e firme de Boal aliado à formidável direção de Bigelow rende um trabalho longo, aflitivo e poderoso que exige nervos de aço do expectador.

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