segunda-feira, 12 de março de 2018

Gomorra

A abrir este “Gomorra” temos uma cena tão desconcertante quanto significativa: Numa clínica de bronzeamento artificial, a sessão de um grupo de mafiosos é interrompida pelo inesperado aparecimento de pistoleiros contratados que fulminam cada um deles.
De imediato, esse momento remete à peculiaridade narrativa de “O Poderoso Chefão”, de Coppola, e sendo esta uma obra italiana, é com indiscutível autenticidade que ela estabelece essa proximidade.
Se a obra-prima de Coppola resgata os valores da Sicília, então ”Gomorra”, numa vibração cinematográfica muito parecida, porém, com os olhos voltados para a atualidade, busca reconstituir (com uma transfiguração da realidade inerente ao cinema) o universo da máfia nas províncias de Nápoles e Caserta.
Entretanto, o clássico gangster com o qual “Gomorra” mais encontra certa relação talvez seja mesmo “Os Bons Companheiros”, de Scorsese, na medida em que acompanha um garoto, Ciro (Ciro Petrone), jovem contemporâneo fascinado pela cultura mafiosa difundida de modo algo idealizado em filmes como “Scarface” e os já citados –os quais ele o amigo Marco (Marco Macor) parecem conhecer a fundo.
A ambição e a presunção jovem dos dois rapidamente os colocam em rota de colisão com os poderosos locais.
Outros personagens integram a narrativa do diretor Matteo Garrone conforme as tramas fragmentadas de cada um vão avançando e moldando assim um panorama: Totò (Salvatore Abruzzese), um garoto à beira da delinqüência, procurando trabalhar ao lado da mãe e evitar as influências violentas do meio suburbano em que vivem; Pasquale (Salvatore Cantalupo), um alfaiate de alta-costura diretamente envolvido nas falcatruas e nas trocas de favores constantes do gangster de pequeno porte, Sr. Enzo, o quê lhe proporciona uma série de difíceis atribulações, obrigando-o a um arranjo com trabalhadores chineses que ele não queria; Don Ciro (Gianfelice Imparato), um mero pagador dos mafiosos, às voltas com os questionamentos morais de sua ocupação; um idoso ainda vivendo de ocasionais trabalhos para a máfia, disposto a obter um emprego para o filho quarentão, Roberto (Carmine Paternoster), que acaba sendo contratado por um despachante de resíduos tóxicos, Franco (vivido por Tony Sevillo, de “A Grande Beleza”). Todos eles envolvidos em suas próprias histórias, imersos no mundo que Garrone parece reconstituir com fulgor artístico e ressonância moral.
Ao agregar elementos episódicos, “Gomorra” também faz lembrar o magnífico “Cidade de Deus”.
É, pois um apanhado de grandes e espetaculares referências que o diretor Garrone executa aqui, com imensa propriedade e habilidade.

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