A abrir este “Gomorra” temos uma cena tão
desconcertante quanto significativa: Numa clínica de bronzeamento artificial, a
sessão de um grupo de mafiosos é interrompida pelo inesperado aparecimento de
pistoleiros contratados que fulminam cada um deles.
De imediato, esse momento remete à
peculiaridade narrativa de “O Poderoso Chefão”, de Coppola, e sendo esta uma
obra italiana, é com indiscutível autenticidade que ela estabelece essa
proximidade.
Se a obra-prima de Coppola resgata os valores
da Sicília, então ”Gomorra”, numa vibração cinematográfica muito parecida,
porém, com os olhos voltados para a atualidade, busca reconstituir (com uma
transfiguração da realidade inerente ao cinema) o universo da máfia nas
províncias de Nápoles e Caserta.
Entretanto, o clássico gangster com o qual
“Gomorra” mais encontra certa relação talvez seja mesmo “Os Bons Companheiros”,
de Scorsese, na medida em que acompanha um garoto, Ciro (Ciro Petrone), jovem
contemporâneo fascinado pela cultura mafiosa difundida de modo algo idealizado
em filmes como “Scarface” e os já citados –os quais ele o amigo Marco (Marco
Macor) parecem conhecer a fundo.
A ambição e a presunção jovem dos dois rapidamente
os colocam em rota de colisão com os poderosos locais.
Outros personagens integram a narrativa do
diretor Matteo Garrone conforme as tramas fragmentadas de cada um vão avançando
e moldando assim um panorama: Totò (Salvatore Abruzzese), um garoto à beira da
delinqüência, procurando trabalhar ao lado da mãe e evitar as influências
violentas do meio suburbano em que vivem; Pasquale (Salvatore Cantalupo), um
alfaiate de alta-costura diretamente envolvido nas falcatruas e nas trocas de
favores constantes do gangster de pequeno porte, Sr. Enzo, o quê lhe
proporciona uma série de difíceis atribulações, obrigando-o a um arranjo com
trabalhadores chineses que ele não queria; Don Ciro (Gianfelice Imparato), um
mero pagador dos mafiosos, às voltas com os questionamentos morais de sua
ocupação; um idoso ainda vivendo de ocasionais trabalhos para a máfia, disposto
a obter um emprego para o filho quarentão, Roberto (Carmine Paternoster), que
acaba sendo contratado por um despachante de resíduos tóxicos, Franco (vivido
por Tony Sevillo, de “A Grande Beleza”). Todos eles envolvidos em suas próprias
histórias, imersos no mundo que Garrone parece reconstituir com fulgor
artístico e ressonância moral.
Ao agregar elementos episódicos, “Gomorra”
também faz lembrar o magnífico “Cidade de Deus”.
É, pois um apanhado de
grandes e espetaculares referências que o diretor Garrone executa aqui, com
imensa propriedade e habilidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário