Há uma mescla inusitada se pensarmos nas
facetas da realização de “O Último Imperador”.
O renomado produtor Jeremy Thomas financiou
para um diretor italiano (Bernardo Bertolucci) famoso tanto pelo esmerado
cuidado visual (plenamente empregado aqui) como pelo tom freqüentemente
contestador de suas obras, este roteiro, espécie de biografia de uma figura
histórica oriental cujas circunstâncias nas quais se deu sua vida foram, de fato,
extraordinárias: Desse esforço desigual surgiu primeira superprodução falada em
inglês, oficialmente autorizada a filmar dentro da lendária Cidade Proibida na
China.
Se estas parecem opções inesperadas, a soma de
todas elas resulta numa obra surpreendentemente equilibrada e harmoniosa,
possuidora da capacidade de surpreender o expectador com as sucessivas
características peculiares de sua condução –e sua equipe técnica, prodigiosa
nos mais distintos aspectos, é recheada de nomes italianos, ingleses e chineses.
Bertolucci inicia seu filme na Manchúria, nos
anos 1950, quando uma estação de trem recebe um fugitivo disposto a passar
despercebido às autoridades.
Não consegue: Alguns dos fugitivos que também
desejam cruzar a fronteira entre a China e a Rússia o reconhecem e, incapazes
de reprimir sua devoção mesmo diante dos guardas japoneses, o reverenciam.
Ele é Pu Yi (vivido nessa fase adulta –que
predomina ao longo do filme –pelo ator John Lone), o homem ao qual o destino
reservou a ironia cruel de ser imperador da China justamente nesse tumultuado
período de dolorosa transição. Incapaz de escapar –e com o cerco se fechando em
torno dele –Pu Yi recorre à saída mais desesperada: Tenta, em vão, o suicídio.
Os flashbacks que irão remontar sua história
começam aí e se tornam mais detalhados conforme ele próprio fornece seu relato
para o interrogador que lhe prende, descortinando sua história incomum e
singular: Ainda uma criança, ele tinha pouco mais de quatro anos de idade
quando foi decretado imperador da China.
Sua trajetória, contudo, não teve a satisfação
que se pressupõe na realeza. Afastado dos pais, tratado como divindade, Pu Yi
viveu cerca de vinte anos praticamente como prisioneiro na Cidade Proibida.
Suas vontades –como o desejo irreprimível de
viver mais perto da mãe –não eram levadas em consideração (é belíssima a cena
em que ele, aos sete anos de idade, reencontra a própria mãe, de quem mal
lembra, e suga seu seio como forma de tentar recuperar um pouco da relação
perdida de mãe e filho).
Pu Yi, inclusive, não possuiu maior poder de
decisão sequer na escolha de sua esposa Wan Jung (Joan Chen, lindíssima) cujo
rosto só foi conhecer na noite de núpcias; e que, no entanto, mesmo assim, foi
sua companheira durante muito tempo.
Ao longo de sua vida, ele teve o infortúnio de
ser imperador da China durante a invasão japonesa na Segunda Guerra Mundial
(quando só então, crescido, foi capaz de sair da Cidade Proibida dentro da qual
era praticamente um prisioneiro) –e por conseqüência disso foi então
transformado num fantoche por seus ocupantes –testemunhou a transformação
política e cultural da China pelas doutrinas de Mao e o esfacelamento da
aristocracia imperial.
Suas quase sete décadas de
vida, e as mudanças inacreditáveis que sofreram são mostradas neste vencedor de
nove Oscar, dirigido com adequada magnitude por Bernardo Bertolucci.
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