quarta-feira, 21 de março de 2018

O Último Imperador

Há uma mescla inusitada se pensarmos nas facetas da realização de “O Último Imperador”.
O renomado produtor Jeremy Thomas financiou para um diretor italiano (Bernardo Bertolucci) famoso tanto pelo esmerado cuidado visual (plenamente empregado aqui) como pelo tom freqüentemente contestador de suas obras, este roteiro, espécie de biografia de uma figura histórica oriental cujas circunstâncias nas quais se deu sua vida foram, de fato, extraordinárias: Desse esforço desigual surgiu primeira superprodução falada em inglês, oficialmente autorizada a filmar dentro da lendária Cidade Proibida na China.
Se estas parecem opções inesperadas, a soma de todas elas resulta numa obra surpreendentemente equilibrada e harmoniosa, possuidora da capacidade de surpreender o expectador com as sucessivas características peculiares de sua condução –e sua equipe técnica, prodigiosa nos mais distintos aspectos, é recheada de nomes italianos, ingleses e chineses.
Bertolucci inicia seu filme na Manchúria, nos anos 1950, quando uma estação de trem recebe um fugitivo disposto a passar despercebido às autoridades.
Não consegue: Alguns dos fugitivos que também desejam cruzar a fronteira entre a China e a Rússia o reconhecem e, incapazes de reprimir sua devoção mesmo diante dos guardas japoneses, o reverenciam.
Ele é Pu Yi (vivido nessa fase adulta –que predomina ao longo do filme –pelo ator John Lone), o homem ao qual o destino reservou a ironia cruel de ser imperador da China justamente nesse tumultuado período de dolorosa transição. Incapaz de escapar –e com o cerco se fechando em torno dele –Pu Yi recorre à saída mais desesperada: Tenta, em vão, o suicídio.
Os flashbacks que irão remontar sua história começam aí e se tornam mais detalhados conforme ele próprio fornece seu relato para o interrogador que lhe prende, descortinando sua história incomum e singular: Ainda uma criança, ele tinha pouco mais de quatro anos de idade quando foi decretado imperador da China.
Sua trajetória, contudo, não teve a satisfação que se pressupõe na realeza. Afastado dos pais, tratado como divindade, Pu Yi viveu cerca de vinte anos praticamente como prisioneiro na Cidade Proibida.
Suas vontades –como o desejo irreprimível de viver mais perto da mãe –não eram levadas em consideração (é belíssima a cena em que ele, aos sete anos de idade, reencontra a própria mãe, de quem mal lembra, e suga seu seio como forma de tentar recuperar um pouco da relação perdida de mãe e filho).
Pu Yi, inclusive, não possuiu maior poder de decisão sequer na escolha de sua esposa Wan Jung (Joan Chen, lindíssima) cujo rosto só foi conhecer na noite de núpcias; e que, no entanto, mesmo assim, foi sua companheira durante muito tempo.
Ao longo de sua vida, ele teve o infortúnio de ser imperador da China durante a invasão japonesa na Segunda Guerra Mundial (quando só então, crescido, foi capaz de sair da Cidade Proibida dentro da qual era praticamente um prisioneiro) –e por conseqüência disso foi então transformado num fantoche por seus ocupantes –testemunhou a transformação política e cultural da China pelas doutrinas de Mao e o esfacelamento da aristocracia imperial.
Suas quase sete décadas de vida, e as mudanças inacreditáveis que sofreram são mostradas neste vencedor de nove Oscar, dirigido com adequada magnitude por Bernardo Bertolucci.

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