quarta-feira, 25 de abril de 2018

O Formidável


Vencedor do Oscar por “O Artista”, onde realiza uma sincera homenagem ao cinema mudo ainda que não destituída de sátira, o francês Michel Hazanavicius voltar a trabalhar num projeto centrado numa homenagem cinematográfica aqui em “O Formidável”.
E o foco é tão ambicioso quanto melindroso –o cineasta Jean Luc Godard –embora Hazanavicius se desvie com certa desenvoltura da densidade e do excesso de intelectualismo, inerentes ao seu protagonista, fazendo graça.
Longe de ser uma biografia, mas sim um recorte de uma fase específica na vida de Godard (primorosamente interpretado por Louis Garrel), o filme começa durante as filmagens de “A Chinesa” quando Godard conhece (e se apaixona por) Anne Wiazemski (a maravilhosa Stacy Martin, de “Ninfomaníaca”) escolhida para ser sua atriz principal.
Ele tinha 36 anos. Ela, 19.
É pelos olhos de Anne que acompanhamos uma espécie de metamorfose de Godard rumo a um artista cada vez mais questionador e irredutível.
Então ovacionado pelo sopro de renovação que trouxe ao cinema à frente do movimento da Nouvelle Vague, Godard goza de um prestígio singular em sua geração de cineastas graças à obras como “Acossado” e “O Desprezo”. Contudo, impulsionado pelas noções do maoísmo que abraçou durante as filmagens de “A Chinesa” –mas, cuja aplicação prática ele assimilou de forma um tanto ingênua –Godard passa a vislumbrar um cinema radical e inovador que o leva a renegar sua filmografia.
E Anne acaba testemunhando uma inclinação ainda mais drástica à essa ideologia quando se sucedem os eventos de Maio de 1968 em Paris.
Tais acontecimentos seriam complicados, dramáticos e possivelmente entediantes num filme se Hazanavicius não tivesse optado em observá-los com a graciosidade de quem está seguramente longe deles no tempo: Seu filme se eleva ao permitir-se rir de tanta coisa levada a sério. E nada nele é mais engraçado do que a peculiar figura em seu centro –Jean Luc Godard que ganha contornos ainda mais hilários com a composição afiada de Garrel, e mais patéticos por não notar a espetacular mulher que sofre ao seu lado –e Stacy Martin potencializa isso tornando Anne uma personagem tão sensacional quanto cativante (compreendendo isso, Hazanavicius não economiza nas cenas de nudez dela enfatizando para o expectador a negligência de Godard como marido).
Certamente polêmico para aqueles que não desejam enxergar Godard como uma pessoa imatura e sujeita a constrangimentos gerados por sua própria irredutibilidade, “O Formidável” é uma obra que se coloca sem dúvidas acima do oscarizado trabalho de Hazanavicius, por sua coragem em ser uma comédia fora das convenções, por uma sucessão ininterrupta de cenas excelentes e criativas, por ser uma amostra melhor e mais clara do talento de seu realizador e por ser, no fim das contas, um filme realmente muito bom.
Interessantíssima a cena em que o casal assiste “A Paixão de Joana D’Arc”, de Carl Dreyer, num cinema, e Hazanavicius justapõe seus diálogos às cenas do filme colocando a voz de Anne, ressentida e tentando agradá-lo, à de Joana D’Arc, e a voz de Jean Luc, intransigente e rude, ao inquisidor que a confronta.

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