Vencedor do Oscar por “O Artista”, onde realiza
uma sincera homenagem ao cinema mudo ainda que não destituída de sátira, o
francês Michel Hazanavicius voltar a trabalhar num projeto centrado numa
homenagem cinematográfica aqui em “O Formidável”.
E o foco é tão ambicioso quanto melindroso –o
cineasta Jean Luc Godard –embora Hazanavicius se desvie com certa desenvoltura
da densidade e do excesso de intelectualismo, inerentes ao seu protagonista,
fazendo graça.
Longe de ser uma biografia, mas sim um recorte
de uma fase específica na vida de Godard (primorosamente interpretado por Louis
Garrel), o filme começa durante as filmagens de “A Chinesa” quando Godard
conhece (e se apaixona por) Anne Wiazemski (a maravilhosa Stacy Martin, de
“Ninfomaníaca”) escolhida para ser sua atriz principal.
Ele tinha 36 anos. Ela, 19.
É pelos olhos de Anne que acompanhamos uma
espécie de metamorfose de Godard rumo a um artista cada vez mais questionador e
irredutível.
Então ovacionado pelo sopro de renovação que
trouxe ao cinema à frente do movimento da Nouvelle Vague, Godard goza de um
prestígio singular em sua geração de cineastas graças à obras como “Acossado” e
“O Desprezo”. Contudo, impulsionado pelas noções do maoísmo que abraçou durante
as filmagens de “A Chinesa” –mas, cuja aplicação prática ele assimilou de forma
um tanto ingênua –Godard passa a vislumbrar um cinema radical e inovador que o
leva a renegar sua filmografia.
E Anne acaba testemunhando uma inclinação ainda
mais drástica à essa ideologia quando se sucedem os eventos de Maio de 1968 em
Paris.
Tais acontecimentos seriam complicados,
dramáticos e possivelmente entediantes num filme se Hazanavicius não tivesse
optado em observá-los com a graciosidade de quem está seguramente longe deles
no tempo: Seu filme se eleva ao permitir-se rir de tanta coisa levada a sério.
E nada nele é mais engraçado do que a peculiar figura em seu centro –Jean Luc
Godard que ganha contornos ainda mais hilários com a composição afiada de
Garrel, e mais patéticos por não notar a espetacular mulher que sofre ao seu
lado –e Stacy Martin potencializa isso tornando Anne uma personagem tão
sensacional quanto cativante (compreendendo isso, Hazanavicius não economiza
nas cenas de nudez dela enfatizando para o expectador a negligência de Godard
como marido).
Certamente polêmico para aqueles que não
desejam enxergar Godard como uma pessoa imatura e sujeita a constrangimentos
gerados por sua própria irredutibilidade, “O Formidável” é uma obra que se
coloca sem dúvidas acima do oscarizado trabalho de Hazanavicius, por sua
coragem em ser uma comédia fora das convenções, por uma sucessão ininterrupta
de cenas excelentes e criativas, por ser uma amostra melhor e mais clara do
talento de seu realizador e por ser, no fim das contas, um filme realmente muito
bom.
Interessantíssima a cena em que o casal assiste
“A Paixão de Joana D’Arc”, de Carl Dreyer, num cinema, e Hazanavicius justapõe
seus diálogos às cenas do filme colocando a voz de Anne, ressentida e tentando
agradá-lo, à de Joana D’Arc, e a voz de Jean Luc, intransigente e rude, ao
inquisidor que a confronta.
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