Uma produção como esta é inadvertidamente uma
oportunidade para Luis Buñuel destilar seu deboche e seu sarcasmo para com os
dogmas e as engrenagens de poder e manipulação que ele parece identificar na
religião.
Buñuel o faz, contudo, com tal elegância e
sutileza que somente os cristãos mais atentos irão se dar conta da maneira
irônica com que ele observa os pormenores da crença.
Simão, o protagonista (vivido por Claudio
Brook), é visto em penitência. Os fiéis que surgem para vê-lo no alto de uma
coluna no deserto logo enaltecem seu sacrifício por ter passado ali
inacreditáveis 6 anos, 6 semanas e 6 dias (666, o número da besta!).
Ovacionado pelos integrantes da romaria e
certamente inspirado pelas demonstrações irrestritas de admiração, Simão passa
para outra coluna em cima da qual almeja passar mais uma temporada.
Em sua crença, porém, Simão é cheio de
bizarrices bastante humanas: Perde com freqüência a eloqüência em seus
discursos, esquece o final das orações, reage com ignorância à enaltecimentos
sofisticados que não compreende e, por vezes, parece não compreender muito as
razões de seus seguidores –e, de um certo ponto, nem parece lembrar mais das
razões que o levaram até ali.
A multidão de fiéis (que o enaltecem ou o
deixam só ao sabor do momento) também é um registro carregado de detalhada
sátira: Um dos humildes aldeões, com as mãos decepadas por acidente, lhe roga
um milagre para que possa tê-las de volta para trabalhar.
O milagre acontece, mas a reação do homem, de
seus familiares e de todos à volta é de displicência: Tão habituados estariam
as pessoas comuns a testemunhar milagres durante os períodos registrados na
Bíblia, supõe Buñuel, que sua atitude diante deles seria corriqueira.
Ao redor de Simão, outros pequenos desenlaces
se sucedem: Um jovem padre de comportamento afeminado se estranha com a postura
mundana de um anão –personagem este que retorna ocasionalmente à cena para
ressaltar necessidades práticas à Simão; os demais padres debatem a virtude de
Simão, ora com admirado reconhecimento, ora com tentativas vazias de
justificá-la (uma alfinetada de Buñuel nos paradigmas da teologia); a própria
mãe de Simão vive ali por perto testemunhando a soberba maluquice do filho.
Também o Diabo –materializado nas formas um
tanto sedutoras de Silvia Pinal –exerce nele uma influência algo ingênua, um
antagonismo previamente esperado, quase infantil.
Na decisão de jamais esconder os aspecto nada
altivos e até patéticos de uma circunstância como a retratada ao longo do
filme, “Simão do Deserto” é quase uma comédia sobre as intrincadas sutilezas da
fé disfarçada de um filme rigorosamente simples: Durante toda sua enxuta
duração, a obra de Buñuel se manterá nos detalhes quase inexistentes da
estranha penitência de Simão sobre a coluna; exceto pelo fim –nele, o Diabo
propõe a Simão vislumbrar o mundo moderno e ambos aparecem num clube de dança a
testemunhar de uma mesa o alucinado comportamento em sociedade dos jovens. O
Diabo decide se juntar a eles em sua euforia (lembre-se, ele tem as lindas formas
de Silvia Pinal!) enquanto Simão acha que pode voltar ao seu local de
penitência.
“Não adianta” lhe diz o Diabo “já há outro
alguém lá!”
Não faltam voluntários sem
noção para cometer atos sem o menor sentido em nome de Deus, parece afirmar
Buñuel, com esse desfecho um tanto niilista e debochado.
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