Já de início, o filme do diretor Paul
Greengrass (grande responsável por revelar seu talento ao mundo) se inicia com
suas claras intenções de imparcialidade (não completamente atingidas pela
narrativa): Duas declarações são simultaneamente mostradas em cortes alternados
e urgentes que concedem a ambas o mesmo tempo de cena. Numa, o membro do parlamento
irlandês, Ivan Cooper (James Nesbitt), esclarece os objetivos totalmente
pacifistas da passeata marcada para o domingo dia 30 de janeiro de 1972, na
cidade de Derry, na Irlanda do Norte.
Noutra, um general britânico (Tim Pigott-Smith),
oficial a frente das tropas inglesas que procuram levar um intimidador senso de
vigilância à cidade afirma que o exército buscará oprimir qualquer tentativa de
insurreição local, o quê inclui passeatas –e tendo prestado tal aviso, ele
considera, portanto, que uma confusão decorrente disso será culpa dos civis que
insistiram no delito.
Eis a questão que a narrativa de Greengrass
parece empenhada em elucidar: De quem foi, afinal, a culpa?
Mesmo que não houvesse uma aura de tensão
crescente e impecável neste filme magistral, poucos seriam os expectadores que
o adentrariam absolutamente ignorantes do fato de que o “Domingo Sangrento” foi
um dos episódios mais lamentáveis da história da Irlanda, culminando com sua
população alvejada por tropas militares inglesas, contabilizando a morte de
vários inocentes –o quê indiretamente viabilizou ainda mais os pretextos hostis
do grupo terrorista IRA aos olhos do mundo, e certamente aos olhos dos inúmeros jovens
adeptos que depois disso a ele se juntaram.
Na mescla de cinema ficcional e documental que
busca, “Domingo Sangrento” é magnífico. Ele paira entre uma circunstância e
outra, indo e vindo com alarmante serenidade entre cada situação: O
planejamento excessivamente cauteloso dos militares; a indignação velada da
população com seus direitos podados; o tumulto ideológico natural e gradativo
que cerca as diretrizes pacifistas ou não em torno da passeata (e que Cooper
busca estoicamente ordenar e valorizar até o amargo fim); o caos de informação,
confusão e ânimos acirrados que contamina ambas as partes do momento derradeiro
–e que, conduz à tragédia que por fim Greengrass se presta a mostrar.
Ele deixa claro uma série de coisas: Que haviam
pessoas de má fé de ambos os lados. Entre os manifestantes não apenas são
flagrados membros do IRA (embora o filme se isente de mostrá-los em ação), como
principalmente ele reitera o comportamento covarde de alguns jovens desordeiros
que, contrariando as afirmações dos ajudantes do protesto, iniciam um confronto
verbal contra os soldados, para depois atacá-los com pedras. São esses mesmos
desordeiros que fogem na direção das pessoas desarmadas e de intenções
puramente pacíficas quando os soldados recebem a ordem de retaliação
–provocando assim uma junção indissociável dos grupos, confundido os militares
que, naquele ponto da situação, estavam transtornados pela tensão.
Entre os militares britânicos, por sua vez, a
narrativa acompanha a confusão dos soldados que abriram fogo na população
baseados em conjecturas incertas, levados pelo turbilhão de adrenalina (e cujos
fatos, mais tarde, eles se desdobram em explicações pouco convincentes para
justificar) e, sobretudo, a atitude francamente detestável do general na
entrevista lá do começo, que participa dos planejamentos estratégicos do início
ao fim, mantendo-se bem informado na retaguarda durante todo o acontecimento,
para ao final, consciente do desastre homérico deflagrado, se declarar
hipocritamente como um mero observador.
Em algum ponto, Greengrass não deixa de
afirmar, em sua origem irlandesa, uma certa posição em relação ao que pensa
disso tudo –Cooper e alguns outros personagens do lado dos manifestantes estão
entre os poucos que ganham uma humanização mais aprofundada –mas, conduz este
espetacular filme político com uma implacável consciência da manutenção transparente
dos fatos diante da obrigação que esse cinema tem.
E seu objetivo, plenamente atingido, acaba
sendo a compreensão dos detalhes tão banais que nos separam e que infligem
conflitos dolorosos entre nossas ideologias.
Depois desta obra fenomenal, a letra da bela
música do U2, “Sunday Bloody Sunday”, tocada nos créditos finais, adquire uma
contundência até então despercebida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário