quarta-feira, 8 de agosto de 2018

O Segredo do Bosque dos Sonhos


O título original, “Non Si Sevizia Un Paperino”, na lógica algo lisérgica que o ‘giallo’ mantinha, diz respeito ao personagem do Pato Donald (?), que surge como um dado fundamental no desenlace.
Sua protagonista, a deslumbrante Barbara Bouchet –cuja primeira aparição se dá sem roupas a provocar a libido precoce de um garotinho de uns 12 anos (!) –vive uma dessas personagens investigadoras casuais, uma aura de empenho e ingenuidade a lembrar os personagens do desenho “Scooby-Doo” (!). Este é, contudo, o único vestígio de ingenuidade no filme de Lucio Fulci, tão pontuado de malícia e vulgaridade, como parecia ser regra entre os exemplares daquele sub-gênero.
O que destaca “O Segredo do Bosque dos Sonhos”, no entanto, é a inventividade de Fulci na condução do enredo, sua capacidade de desviar a atenção do expectador para o cerne devido de sua narrativa, e sua desenvoltura natural para com cenas de incontornável apelo macabro.
A produção é sensacionalista e rudimentar, como é inerente ao ‘giallo’, entretanto, a experiência de Fulci encontra meios de contornar essas facetas: Ele especula as muitas variações provincianas da região de Centura, saboreando com calma e satisfação os elementos da trama de suspense que constrói.
Leva um certo tempo até para que o primeiro assassinato ocorra.
E a descoberta disso, e da existência de um serial-killer naquele lugarejo é pontuada por redundância típicas de autoridades e habitantes de lugares pequenos cuja mentalidade fechada –e eventuais trapalhadas –interferem na investigação, ajudando o assassino.
Há o garoto sequestrado cujo suposto sequestrador, preso logo depois, se revela de uma inaptidão lamentável –não poderia ser ele autor da terrível morte que se constatou na sequência: O menino é encontrado morto.
A partir daí, em meio às investigações de praxe –pontuadas mais por bravatas dos investigadores do que por avanços de fato –Fulci parece interessado em plantar pistas falsas, como os suspeitos na forma da pretensa feiticeira interpretada por Florinda Bolkan, ou até mesmo a personagem cosmopolita e ex-viciada de Barbara Bouchet –que somente a partir de um determinado ponto será mostrada como a protagonista de fato.
Demanda um tempo considerável para Fulci ceder à convenção e reconhecer o astuto jornalista de Tomas Milian (o “Tepepa” em pessoa) como um dos personagens principais.
Uma analogia estranhamente comum entre o processo macabro da elucidação de uma série de crimes hediondos e o gradual êxtase provocativo e libidinoso.
Não à toa, as cenas de gore (até contidas para os padrões de Fulci) são trabalhadas com a mesma lascívia que as cenas de nudez de Barbara.
É o ‘giallo’ assimilando algumas lições implícitas do mestre Hitchcock, e colocando-as em prática com uma percepção muito mais exacerbada (proporcionada pela volatilidade artística dos anos 1970) com a qual o próprio mestre jamais sonhou.

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