No penúltimo filme de sua vida, lançado no
início dos anos 1990, o mestre Akira Kurosawa –tal como fez no contundente
“Anatomia do Medo” e em um dos episódios de “Sonhos” –revisita a terrível
memória das bombas atômicas lançadas na Segunda Guerra Mundial sobre o Japão.
A Senhora Kane (Sachiko Musaré, extraordinária)
vive na pacata casa de campo em que mora ao lado dos quatro netos. A narrativa
durante a maior parte do tempo se ocupa de detalhes corriqueiros das férias de
verão e da beleza imperceptível de momentos fugazes em família.
A velha senhora conta histórias, inebriada pela
presença dos netos. Eles estão lá porque seus pais empreenderam uma viagem ao
Hawaí. Lá, as cartas revelam que entraram em contato com um parente então
desconhecido –um imigrante japonês idoso naturalizado americano que acredita
ser o irmão mais velho da Senhora Kane.
A idosa dá de ombros: Mal tem lembrança dos
numerosos irmãos que teve na família pobre e, embora seus filhos e noras se
derretam pelos novos parentes (que são ricos, à propósito), à ela e aos seus
netos só interessa a celebração dos quarenta e cinco anos da tragédia nuclear
de Nagazaki –e que, portanto, marca os quarenta e cinco anos da morte de seu
marido –a ser realizada naquele mesmo mês de agosto.
Os parentes, cheios de segundas intenções,
acham que a recusa dela em viajar para o Hawaí para conhecer os novos parentes
sob esse pretexto pode ofendê-los e se alarmam quando chega a notícia de que o
jovem Clark (o astro americano Richard Gere, que é budista, se arriscando a
falar japonês) virá para o Japão para encontrar a Senhora Kane.
Os adultos se preparam para o pior; os novos
parentes estão ofendidos (pois, acreditam que eles não queriam ser lembrados
sobre a responsabilidade americana em relação à bomba atômica) e enviaram Clark
com a missão de afirmar isso.
Mas, Clark, na premissa cheia de lirismo e
humanismo de Kurosawa, veio para pedir desculpas.
Característico de uma fase já crepuscular na
vida de um realizador, “Rapsódia Em Agosto” é apressadamente lembrada como uma
das obras mais singelas e simplórias do mestre Kurosawa, embora traga toda sua
maestria –mesmo ao lidar com temas e elementos tão bucólicos e banais –e revele
um olhar profundamente espiritual e singular para com o sentimento do perdão.
Mesmo longe de seu auge artístico, o mestre foi
brilhante o suficiente para moldar um das obras mais emocionantes e emotivas
dos anos 1990.
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