Na transição dos anos 1970 para os 80, a Coréia
do Sul enfrentou tempos tão politicamente turbulentos quanto sua contraparte do
Norte.
É um episódio desse período que este filme
tenta ilustrar: A admirável história real de um repórter alemão que desembarcou
em Seul para contratar os serviços de um taxista para levá-lo até a cidade de
Gwangju, onde protestos estudantis estavam recebendo, das forças armadas, um
tratamento absolutamente bárbaro e truculento.
O repórter era Jurgen Hinzpeter, chamado aqui
meramente de Peter (vivido pelo sempre competente Thomas Kretschmann) e sua
jornada –inclusive em regresso para casa, de onde pode relatar a barbárie que
testemunhou ao mundo –só se concluiu com êxito graças ao desempenho do
motorista de taxi, por quem passou a nutrir um respeito extraordinário, mas que
nunca mais encontrou (nem sequer seu nome real ele sabia!).
É justamente por não haver maiores informações
acerca desse importante personagem que o filme do diretor Jang Hoon se mune de
todos os melindrosos e sedutores artifícios da ficção.
Interpretado por Song Kang-Ho, célebre ator da
Coréia do Sul, o motorista de taxi em questão é um trabalhador assalariado,
viúvo e pai de uma garotinha pequena. Sua rotina massacrante por vezes o obriga
a administrar a necessidade e o bom coração: Na primeira cena, ele dá carona a
um casal cuja mulher tem as contrações do parto e cujo homem está com o bolso
vazio.
Decidido a ganhar uma boa grana, porém, sem
maiores informações sobre a tarefa que assume, ele resolve fazer um corrida
muito bem remunerada. Tudo que ele sabe é que deve levar um estrangeiro até a
cidade de Gwangju.
Tal estrangeiro, sabemos, é Peter, e seu
objetivo em Gwangju é documentar a convulsão política que resultou em choque
das tropas com a população, sobretudo, a classe estudantil.
O taxista não sabe disso. E, na pouca
disposição que os dois possuem para falar a língua um do outro, quase nenhuma
informação é trocada.
Somente quando se aproximam de seu destino, os
indícios nefastos começam a apontar algum perigo (barricadas ameaçadoras nas
estradas; muita gente partindo, praticamente ninguém, além deles mesmos, indo;
e soldados nada amigáveis patrulhando a área e fazendo perguntas em tom hostil);
e o filme começa também a mudar sua verve divertida e afável, quase de uma
comédia de costumes, para um registro implacável, áspero e realista que chega a
lembrar o estilo de Oliver Stone no sensacional “Salvador-O Martírio de Um
Povo” (até mesmo as cenas na auto-estrada e da população nas ruas são bem
parecidas).
Durante todo essse curioso e sufocante percurso
(que se estende para além das prováveis duas horas de duração), o diretor Jang
Hoon visita outros aspectos, sempre dedicando a todos a devida atenção: A
relação entre o taxista e o passageiro que, como era de se esperar, começa
distante, apática e antagônica para se metamorfosear numa bonita amizade
forjada a ferro e fogo nos perigos extremos a que é submetida; a própria tensão
política que vai galando níveis mais altos e detalhistas, revelando assim uma
estudada e hábil reconstituição dos fatos; o surgimento de novos personagens,
vilões e aliados, que acrescentam mais e mais à narrativa; e uma observação
apurada dos desdobramentos morais que tudo isso abarca.
O próprio diretor, em sua euforia, leva seu
filme um pouco mais longe do que poderia ter ido: Sua duração excessiva, e o
tempo dedicado ao drama e à tensão tornam seu trabalho um pouco exaustivo ao
público –uns vinte minutos a menos fariam um grande bem ao resultado. Todavia,
esta ainda é uma obra que figura com honra entre os notáveis exemplares do
cinema sul-coreano.
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