Sempre interessado e instigado pelas
incongruências humanas manifestadas em suas obras nas quebras involuntárias de
tabu (o incesto em “O Sopro do Coração”; o suicídio em “Trinta Anos Esta
Noite”; a delação –ainda que involuntária –em “Adeus, Meninos”), o diretor
Louis Malle constrói seu enredo sobre uma criança criada em um prostíbulo
consciente de fazê-lo numa época em que não suscitou tanto escândalo –embora,
deveras, ele não tenha deixado de escandalizar; tivesse Malle realizado este
filme hoje ele seria apedrejado em praça pública!
Esperto, ele cerca sua premissa controversa de
um contexto jocosamente charmoso (a ambientação na Nova Orleans dos anos 1910
propicia a uso inebriante de acordes de ragtime na trilha sonora, além do
capricho pontual nos figurinos e na direção de arte) tornando nebuloso esse
viés de perversão e enredando o expectador.
Num papel de cuja polêmica sua carreira custou
a se desvencilhar (e fazer o também erotizado “A Lagoa Azul” alguns anos depois
não ajudou nisso) a perturbadoramente jovem Brooke Shields é Violet que, com
apenas 12 anos de idade, tem irrequieta consciência dos procedimentos
libidinosos do prostíbulo onde nasceu. Sua mãe, a imatura prostituta Hattie
(Suzan Sarandon, à época casada com Malle e dona de uma fenomenal cena de
nudez) lhe deixa esquecida pelos cantos enquanto se dedica aos seus melindrosos
clientes, entre os quais acredita que pode estar o homem que um dia irá
desposá-la e tirá-la de tal vida.
Ainda prestes a completar seus treze anos,
Violet tem sua virgindade leiloada em uma noite –e o modo como Malle conduz os
acontecimentos envolvendo a precoce protagonista é, a um só tempo, atento aos
mais inesperados detalhes e também atenuante para com o absurdo quase
revoltante da situação.
Embora deixe sempre claro ao público o
desconcertante fato de que Violet é uma criança, Malle faz questão de mostrar o
quanto ela se revela audaz em absorver as táticas de atração empregadas pelas
prostitutas (entre elas, Barbara Stelle, dos filmes "A Máscara do Demônio", de Mario Bava, e "8 e ½", de Fellini) –e, por consequência, elas se mostram funcionais para com o
fotógrafo Belocq (Keith Carradine, de “Os Amores de Maria”), um frequentador do
prostíbulo exclusivamente atrás de material visual para suas fotografias até
que Violet inesperadamente consegue enredá-lo.
E com ela, ele decide se casar.
As mudanças do período, acarretadas, sobretudo,
pela Primeira Guerra Mundial (e Malle adora perscrutar um microcosmo sob o
prisma de mudanças) arremessam os personagens de Violet, Belocq e Hattie para
um lado e para outro, ora afastando-os, ora tornando a aproximá-los. A cena
final não guarda um único traço da intenção de encerrar em definitivo a trama.
Porque não caberia na abordagem escolhida. Porque sua protagonista é jovem
demais para ter assim um desfecho. E porque, na expressão de inércia capturada
no rosto de Violet, há toda uma gama de alegrias e infortúnios a esperar por
ela –e os mais extraordinários haverão de ser aqueles que ela sequer pode
supor.
Dizer que este é um Louis Malle menor (ainda
que o seja) é redundante diante dos pontos altos e notáveis que esta pequena
obra sobre as engrenagens da sedução consegue alcançar: Feito que filmes louvados
e aclamados hoje em dia em geral não cumprem.
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