sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Pretty Baby - Menina Bonita


Sempre interessado e instigado pelas incongruências humanas manifestadas em suas obras nas quebras involuntárias de tabu (o incesto em “O Sopro do Coração”; o suicídio em “Trinta Anos Esta Noite”; a delação –ainda que involuntária –em “Adeus, Meninos”), o diretor Louis Malle constrói seu enredo sobre uma criança criada em um prostíbulo consciente de fazê-lo numa época em que não suscitou tanto escândalo –embora, deveras, ele não tenha deixado de escandalizar; tivesse Malle realizado este filme hoje ele seria apedrejado em praça pública!
Esperto, ele cerca sua premissa controversa de um contexto jocosamente charmoso (a ambientação na Nova Orleans dos anos 1910 propicia a uso inebriante de acordes de ragtime na trilha sonora, além do capricho pontual nos figurinos e na direção de arte) tornando nebuloso esse viés de perversão e enredando o expectador.
Num papel de cuja polêmica sua carreira custou a se desvencilhar (e fazer o também erotizado “A Lagoa Azul” alguns anos depois não ajudou nisso) a perturbadoramente jovem Brooke Shields é Violet que, com apenas 12 anos de idade, tem irrequieta consciência dos procedimentos libidinosos do prostíbulo onde nasceu. Sua mãe, a imatura prostituta Hattie (Suzan Sarandon, à época casada com Malle e dona de uma fenomenal cena de nudez) lhe deixa esquecida pelos cantos enquanto se dedica aos seus melindrosos clientes, entre os quais acredita que pode estar o homem que um dia irá desposá-la e tirá-la de tal vida.
Ainda prestes a completar seus treze anos, Violet tem sua virgindade leiloada em uma noite –e o modo como Malle conduz os acontecimentos envolvendo a precoce protagonista é, a um só tempo, atento aos mais inesperados detalhes e também atenuante para com o absurdo quase revoltante da situação.
Embora deixe sempre claro ao público o desconcertante fato de que Violet é uma criança, Malle faz questão de mostrar o quanto ela se revela audaz em absorver as táticas de atração empregadas pelas prostitutas (entre elas, Barbara Stelle, dos filmes "A Máscara do Demônio", de Mario Bava, e "8 e ½", de Fellini) –e, por consequência, elas se mostram funcionais para com o fotógrafo Belocq (Keith Carradine, de “Os Amores de Maria”), um frequentador do prostíbulo exclusivamente atrás de material visual para suas fotografias até que Violet inesperadamente consegue enredá-lo.
E com ela, ele decide se casar.
As mudanças do período, acarretadas, sobretudo, pela Primeira Guerra Mundial (e Malle adora perscrutar um microcosmo sob o prisma de mudanças) arremessam os personagens de Violet, Belocq e Hattie para um lado e para outro, ora afastando-os, ora tornando a aproximá-los. A cena final não guarda um único traço da intenção de encerrar em definitivo a trama. Porque não caberia na abordagem escolhida. Porque sua protagonista é jovem demais para ter assim um desfecho. E porque, na expressão de inércia capturada no rosto de Violet, há toda uma gama de alegrias e infortúnios a esperar por ela –e os mais extraordinários haverão de ser aqueles que ela sequer pode supor.
Dizer que este é um Louis Malle menor (ainda que o seja) é redundante diante dos pontos altos e notáveis que esta pequena obra sobre as engrenagens da sedução consegue alcançar: Feito que filmes louvados e aclamados hoje em dia em geral não cumprem.

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