segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A Ponte do Rio Kwai


Em 1958, a memória da Segunda Guerra Mundial não estava tão longe assim para que o retrato dos adversários, alemães ou (neste caso) japoneses, não viesse atrelado a uma certa indisposição. Ainda assim, o filmaço de David Lean se desvencilha dessa postura com uma propriedade brilhante: Antes de ser um filme sobre a redundante disputa entre inimigos declarados, “A Ponte do Rio Kwai” é uma obra sobre os caminhos ambíguos da obstinação, e sobre como deveres assumidos ao extremo são capazes de nublar algumas prioridades.
O campo de concentração que serve de palco para a maior parte dos conflitos do filme é localizado num posto longínquo da Ásia –tanto que já é informado aos prisioneiros recém-chegados (e, consequentemente, ao expectador) que lá não existem cercas de arame farpado nem torre de vigilância; quem se aventurar em uma fuga dali corre o risco, acima de tudo, de morrer extraviado na imensurável floresta inóspita.
Tais recém-chegados, por sinal, são um batalhão de soldados ingleses liderados com fleuma inabalável pelo Coronel Nicholson (Alec Guiness, vencedor do Oscar de Melhor Ator, proporcionando ao personagem uma verve altiva e primorosa). Na sua atitude de oficial, Nicholson não se dirige ao Coronel Saito (Sessue Hayakawa), o comandante do campo, de forma subordinada, mas como um igual.
De pronto, o coronel japonês, habituado ao trato exasperado com os prisioneiros, busca abaixar o topete do coronel inglês do único jeito que sabe: Usando da truculência.
Mas, Nicholson é irredutível: Ele discorda dos modos de Saito ao empregar a mão de obra dos prisioneiros para construir uma ponte sobre o rio Kwai; Saito quer submeter os oficiais ao trabalho pesado também.
Sem arredar o pé, Nicholson é submetido às técnicas torturantes do lugar, enquanto a narrativa se divide para acompanhar em paralelo a trajetória de um prisioneiro que escapa, o norte-americano Shears (William Holden) que, uma vez livre e miraculosamente de volta à civilização, é confrontado por outros militares com a incumbência de regressar ao mesmo campo, desta vez para dinamitar a ponte.
Conforme a missão de Shears se afunila, a dinâmica opressor/oprimido entre Saito e Nicholson vai se transfigurando, como nos mostra a narrativa britanicamente irônica e incontornavelmente épica de David Lean: Os soldados trabalham com lentidão e o atraso na construção da ponte obriga Saito a reconsiderar sua relação com Nicholson; com ele satisfeito, os ingleses vão render o suficiente para que a ponte seja terminada no prazo que lhe foi exigido.
E, de fato, uma vez dobrada a hostilidade do comandante do campo, Nicholson toma para si a construção da ponte, almejando fazê-la tão perfeitamente e impecável que pouco a pouco lhe escapa o fato de estar colaborando com o inimigo.
É a tensa e majestosa sequência final que arremata as impressões e os conflitos gerais do filme onde Nicholson vê sua honra como soldado se chocar com seu orgulho pela construção de uma ponte sólida –até chegar lá, David Lean entrega sucessivas cenas memoráveis, plenas em seu potencial épico como a chegada dos soldados ingleses assobiando a conhecidíssima música de Maurice Jarre (ganhadora do Oscar), as sequências coletivas do campo de concentração ou o longo e aflitivo planejamento para a explosão da ponte.
Uma obra maiúscula mesmo que em meio à uma das mais brilhantes filmografias do cinema.

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