Um misto de documentário ficcional de alarmante
teor escapista sobre as dissimulações tóxicas dos relacionamentos modernos, “Catfish”
é um trabalho difícil de ser apreendido e categorizado.
Mesmo a afirmação de tratar-se de fato de um
documentário (onde tudo que é filmado possa ser entendido como real) ou de um
produto found-footage é algo nebuloso, o que não deixa de agregar certo mérito
à sua realização.
Como quem não quer nada, acompanhamos o
dia-a-dia do jovem fotógrafo Nev Schulman filmado pela câmera insistente e
curiosa do irmão, Ariel Schulman (creditado, ao lado de Henry Joost, como
diretor do filme). No princípio tudo parece banal e ele registra tão somente a
empolgada amizade on-line de Nev com uma linda garota chamada Megan –amizade esta
que logo progride para um namoro virtual.
Logo eles estão trocando fotos (em todas, ela é
linda) e juras de amor.
Contudo, um detalhe chama a atenção dos irmãos:
Durante um bate-papo virtual com Nev, Megan cita suas aptidões musicais e
compartilha um áudio de uma música cantada por ela. Os rapazes suspeitam de
algo estranho ali e identificam uma gravação; ela extraiu o áudio de um vídeo disponível
na internet.
Se ela mentiu em relação a esse aspecto, deduz
o desconfiado Ariel, no que mais pode ter mentido também?
Levando seu irmão Nev a tornar-se o protagonista
involuntário de sua estranha investigação –e, por vezes, irritando-o com a
câmera filmando suas reações de perplexidade o tempo todo –ele prossegue
descobrindo mais e mais indícios da mentira que se esconde por trás da namorada
virtual do irmão: Megan –ou quem quer que seja –não é quem afirma ser, e
valeu-se dos recursos digitais (a disposição de qualquer um) para criar uma
persona que provavelmente não corresponde a quem ela é na vida real.
As coisas se tornam mais intrigantes quando
Nev, Ariel e Henry pegam a estrada dispostos e seguir o tênue rastro de
informação para tentar colocar Nev frente a frente à Megan –ou seja lá quem ela
for.
Notável pela forma com que alterna sua natureza
documental com elementos narrativos de gêneros ficcionais, “Catfish” é tão
envolvente quanto, em última instância, assustador, instigante, cruel e triste,
ao expor, nos seus vinte minutos finais, questões muito atuais, comuns e pouco
discutidas no mundo de hoje, provavelmente pelo fato dos envolvidos se verem
sempre tomados pelo constrangimento.
“Catfish” pode ser por um lado um documentário
notável (e, nesse sentido, ele tem uma história das mais surpreendentes para
contar), ou por outro lado, ser uma obra fabricada nos moldes do ‘falso
documentário’ –tal qual “This Spinal Tape” –(e, nesse sentido, sua execução,
seus atores e sua condução são objetivos e certeiros), mas acima de tudo, ele é
absorvente, intrigante, pertinente e, a sua maneira, emocionante.
O próprio Nev Schulman e
seu irmão cineasta, mais tarde, trataram de transformar o amargo limão que foi
esse episódio de suas vidas numa limonada: “Catfish” tornou-se, em 2012, uma
série exibida pela MTV.
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