Com uma carreira absolutamente consolidada como
grande astro japonês de sua época –graças às colaborações com o mestre Akira
Kurosawa –Toshiro Mifune logo tratou de dar, ele próprio, as cartas fundando
sua própria produtora –batizada apropriadamente de Mifune Productions –e determinando
pessoalmente o tipo de filme que viria a estrelar.
A julgar por “Leão Vermelho”, o faro apurado de
Toshiro Mifune enquanto produtor aponta para um profissional austero,
consciente do equilíbrio entre a qualidade e o apelo popular que pavimentaria o
caminho para sua realização de filmes.
No Japão antigo, após três séculos de
supremacia da Dinastia Edo, o Xogunato começa a chegar ao fim na forma de
manifestações cada vez mais fortes por todas as províncias.
Designados não para a batalha, mas para levar
uma espécie de propaganda ideológica através das aldeias, tropas imperiais
espalham seus temidos e respeitados agentes, normalmente reconhecidos pelas
ostensivas jubas artificiais de cor branca ou vermelha.
O oportunista Gonzo (ele próprio, Mifune)
enxerga ali uma chance de se fazer mais importante do que é: Quando sua tropa –na
qual é um mero soldado –aproxima-se da aldeia de onde fugiu a dez anos, ele
convence seu oficial de que pode sozinho levar a mensagem anti-xogunato aos
aldeões, desde que possa usar a juba vermelha de oficial.
E assim está estabelecida a farsa que norteia o
filme –e que, durante um bom tempo fará lembrar as circunstâncias típicas de
alguns faroestes mais revisionistas que surgiram naquele período dos anos 1960;
nos quais o protagonista desleal e malandro tenta se dar bem, burlando os
códigos de conduta de uma terra sem lei.
Falastrão (ainda que gago!) e persuasivo, Gonzo
chega assim à aldeia donde foi enxotado e logo impõe-se mesmo entre os mais poderosos,
com um discurso populista sobre impostos reduzidos ao mínimo necessários,
dívidas de empréstimos perdoadas e um governo conduzido pelos próprios
camponeses –um argumento extremamente sedutor às massas!
Assim, Gonzo (que passa a ser chamado de Leão
Vermelho) tira da prostituição a mulher que um dia amou, Tomi (Shima Ywashita),
e com ela reata os laços, enquanto vai galgar meteoricamente a hierarquia do
vilarejo, tornando-se seu senhor.
Aqui e ali, os poucos (e apalermados)
opositores que lhe aparecem não oferecem qualquer obstáculo à sua liderança; e
seus intérpretes certamente não equiparam nem uma fração do carisma e da
exuberância cênica de Mifune –nesse sentido, a única que chega remotamente
perto de fazê-lo é Yuko Mochizuki, no papel de sua mãe.
Todavia, a festa tem data para acabar: A
soberania que Gonzo conquistou, afinal, vem de uma mentira que, uma hora ou
outra, haverá de se desmascarar.
E isso ocorre tragicamente, numa guinada
espetacular de ritmo e de tom orquestrada no terceiro ato: As tropas imperiais,
tão prometidas pelo protagonista desde sua chegada, realmente se aproximam
perto do desfecho, contudo, sem a menor intenção de comprovar as promessas que
seduziram a população –a troca de poder, apesar das promessas vazias, manterá
os poderosos, ricos e os pobres, miseráveis.
E isso, o Leão Vermelho –recém-alçado à
categoria de ‘herói do povo’ –no seu reencontro com a ética, não poderá
permitir.
Um conto sobre os desmandos
imputáveis do poder, “Leão Vermelho” se dá ao luxo de relatar os percalços bem
elaborados de seu roteiro com a verve da comédia quando nove entre dez filmes
de predisposição normal adotariam o discurso do drama ou do melodrama.
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