Pequeno clássico do cinema australiano dos anos
1980, “A Fortaleza” é felizmente elaborado sem muitas concessões: Ao adaptar o
livro de Gabrielle Lord, os realizadores (e a Austrália sempre teve alguns
muito talentosos) enxugaram ao máximo tudo aquilo que poderia resultar em
distrações banais para o enredo. Ideologias políticas, motivações secundárias
ou mesmo explicações sociológicas e psicológicas. Quem quiser pode procurar
isso no livro, já o filme, conduzido com objetivo espartano pelo diretor Arch
Nicholson, se preocupa em esmiuçar ao expectador uma situação-limite.
No interior rural da Austrália, uma classe de
aula mista composta de alunos filhos dos moradores locais (uns na faixa entre
catorze e quinze anos, outros, de dez a onze), e sua jovem professora (a bela
Rachel Ward, da minissérie “Pássaros Feridos”) são seqüestrados por um grupo de
bandidos mascarados.
Simples assim: Uma tempestade que recai sobre
seres humanos desprevenidos e indefesos.
Confinados dentro de uma caverna (enquanto o
alardeado resgate não aparece), eles logo encontram um meio de escapar: Através
das arriscadas extensões da própria caverna, que culmina em um rio subterrâneo
e em uma cena asfixiante ainda mais por envolver crianças e afogamento.
O calvário, contudo, não acaba: Ao pedirem
abrigo em uma fazendo aleatória, eles esbarram num local sitiado pelos próprios
bandidos, e se tornam seus prisioneiros mais uma vez, presos dentro de um
celeiro.
A medida que as hostilidades se somam, a
professora se vê determinada a encontrar um meio de salvar todos os seus
alunos.
Entre a índole e a intenção quase santificadas
da protagonista –a quem Rachel Ward concede uma verossimilhança palpável e
comovente –o filme justapõe as facetas poderosamente subconscientes dos
próprios bandidos: Numa personificação desprovida de objetivos humanizadores,
os quatro violentos antagonistas quase não são vistos ostentando seus rostos
–são, em vez disso, mostrados com as lúdicas máscaras que os definem até o fim:
O Gato, o Pato, o Rato e, por fim, o Papai Noel, líder do grupo e, de longe, o
mais ameaçador.
A narrativa baseia-se, portanto, nesses
arquétipos primitivos e na sua própria aridez para gerar uma identificação
singular na plateia que reflete as agonias das crianças e sua professora diante
de uma circunstância de oposição tão hostil quanto improvável.
Audacioso para os dias de hoje (e no brilho com
que é executado, até para sua época), inclusive no retrato até sutil, mas
certamente perceptível, de uma relação diferenciada a surgir entre a professora
e um dos jovens alunos, Sid (Sean Garlick), “A Fortaleza” não se desvencilha de
ir até o fim no estudo antropológico e incisivo da violência a que se presta:
Refugiados novamente na floresta e em uma caverna, os jovens e sua professora
se fartam de seu papel de vítima e se preparam para um confronto direto e
assumidamente selvagem contra seus algozes –e o filme não poupará ninguém, nem
as crianças nem o expectador, da tensão extrema desse clímax.
Como toda grande obra que vasculha esses
impulsos insondáveis do ser humano, “A Fortaleza” encerra-se numa cena simbólica
(a professora lendo o apropriado conto “A Lenda de Beowulf” para seus alunos)
mostrando ao público que, tanto nela quanto nas crianças, uma transformação se
operou.
A inocência foi deixada
completamente de lado em função da necessidade primal de sobreviver e
sobrepujar seu nêmesis.
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