quarta-feira, 17 de julho de 2019

A Fortaleza

Pequeno clássico do cinema australiano dos anos 1980, “A Fortaleza” é felizmente elaborado sem muitas concessões: Ao adaptar o livro de Gabrielle Lord, os realizadores (e a Austrália sempre teve alguns muito talentosos) enxugaram ao máximo tudo aquilo que poderia resultar em distrações banais para o enredo. Ideologias políticas, motivações secundárias ou mesmo explicações sociológicas e psicológicas. Quem quiser pode procurar isso no livro, já o filme, conduzido com objetivo espartano pelo diretor Arch Nicholson, se preocupa em esmiuçar ao expectador uma situação-limite.
No interior rural da Austrália, uma classe de aula mista composta de alunos filhos dos moradores locais (uns na faixa entre catorze e quinze anos, outros, de dez a onze), e sua jovem professora (a bela Rachel Ward, da minissérie “Pássaros Feridos”) são seqüestrados por um grupo de bandidos mascarados.
Simples assim: Uma tempestade que recai sobre seres humanos desprevenidos e indefesos.
Confinados dentro de uma caverna (enquanto o alardeado resgate não aparece), eles logo encontram um meio de escapar: Através das arriscadas extensões da própria caverna, que culmina em um rio subterrâneo e em uma cena asfixiante ainda mais por envolver crianças e afogamento.
O calvário, contudo, não acaba: Ao pedirem abrigo em uma fazendo aleatória, eles esbarram num local sitiado pelos próprios bandidos, e se tornam seus prisioneiros mais uma vez, presos dentro de um celeiro.
A medida que as hostilidades se somam, a professora se vê determinada a encontrar um meio de salvar todos os seus alunos.
Entre a índole e a intenção quase santificadas da protagonista –a quem Rachel Ward concede uma verossimilhança palpável e comovente –o filme justapõe as facetas poderosamente subconscientes dos próprios bandidos: Numa personificação desprovida de objetivos humanizadores, os quatro violentos antagonistas quase não são vistos ostentando seus rostos –são, em vez disso, mostrados com as lúdicas máscaras que os definem até o fim: O Gato, o Pato, o Rato e, por fim, o Papai Noel, líder do grupo e, de longe, o mais ameaçador.
A narrativa baseia-se, portanto, nesses arquétipos primitivos e na sua própria aridez para gerar uma identificação singular na plateia que reflete as agonias das crianças e sua professora diante de uma circunstância de oposição tão hostil quanto improvável.
Audacioso para os dias de hoje (e no brilho com que é executado, até para sua época), inclusive no retrato até sutil, mas certamente perceptível, de uma relação diferenciada a surgir entre a professora e um dos jovens alunos, Sid (Sean Garlick), “A Fortaleza” não se desvencilha de ir até o fim no estudo antropológico e incisivo da violência a que se presta: Refugiados novamente na floresta e em uma caverna, os jovens e sua professora se fartam de seu papel de vítima e se preparam para um confronto direto e assumidamente selvagem contra seus algozes –e o filme não poupará ninguém, nem as crianças nem o expectador, da tensão extrema desse clímax.
Como toda grande obra que vasculha esses impulsos insondáveis do ser humano, “A Fortaleza” encerra-se numa cena simbólica (a professora lendo o apropriado conto “A Lenda de Beowulf” para seus alunos) mostrando ao público que, tanto nela quanto nas crianças, uma transformação se operou.
A inocência foi deixada completamente de lado em função da necessidade primal de sobreviver e sobrepujar seu nêmesis.

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